O mercado de planos de saúde bateu recorde em 2024, com 52,2 milhões de beneficiários. Mas, dentro desse universo, apenas 16,5% contam com planos individuais ou familiares — justamente os únicos regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Enquanto isso, os planos coletivos avançam e já concentram quase 9 em cada 10 contratos, abrindo espaço para reajustes mais elevados e cancelamentos com menos barreiras.
Segundo levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), os contratos coletivos saltaram de 6 milhões de beneficiários em 2000 para 37,6 milhões em 2025, um crescimento de 520% em 25 anos. Já os planos individuais vêm encolhendo: só no último ano, perderam 1,3% de beneficiários.
O sumiço dos individuais
A retração se explica pelas regras mais rígidas impostas pela ANS. Nos planos individuais, só é possível o cancelamento em caso de inadimplência superior a 60 dias ou fraude, mediante aviso prévio. Além disso, os reajustes são limitados pela agência — em 2025, ficaram em 6,06%, contra aumentos de 15% a 20% nos coletivos.
“Assim, para as empresas, o individual se torna comercialmente desinteressante”, explica Columbano Feijó, sócio do escritório Falcon, Gail e Feijó Advocacia Empresarial. Ele lembra que grandes operadoras, como Bradesco e SulAmérica, já não oferecem mais esse tipo de contrato. “Hoje, casos como Prevent Senior, Alice e Hapvida são exceções.”
Grandes operadoras, como Bradesco e SulAmérica confirmaram à reportagem do InfoMoney que não oferecem mais o plano de saúde individual.
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Reajustes sem freio
Nos planos coletivos, a lógica é outra: os aumentos são negociados diretamente entre operadoras e contratantes. Isso abriu espaço para a proliferação dos chamados “falsos coletivos”, em que famílias ou indivíduos contratam planos empresariais via CNPJ.
“Há um duplo padrão regulatório entre planos individuais e coletivos. Nos coletivos, os reajustes são praticamente livres e em três anos a mensalidade pode dobrar”, afirma Marina Paullelli, coordenadora de saúde do Idec.
Judicialização explode
O cenário tem impulsionado a judicialização. “Cada vez mais ações questionam reajustes por sinistralidade dos falsos coletivos. Muitas vezes, o Judiciário substitui o índice aplicado pelas tabelas da ANS ou até pela inflação, porque as operadoras não apresentam estudos atuariais consistentes. Na maioria dos casos, o consumidor ganha”, diz Feijó.
Para pacientes em tratamento, o risco é ainda maior. “É possível enfrentar o rompimento unilateral do contrato no meio de um tratamento de câncer. Por medo, muitos preferem pagar mais caro do que discutir na Justiça”, completa o advogado.
O que dizem as operadoras
A Hapvida é uma das poucas que ainda mantêm planos individuais em escala: são 1,7 milhão de beneficiários no segmento médico-hospitalar e 1,5 milhão em odontologia, cerca de 20% de sua carteira. A empresa ressalta o modelo de integração vertical, com mais de 800 unidades próprias, que permite maior controle dos custos.
Já a Qualicorp reforça os coletivos por adesão como alternativa: mais de 504 entidades e 104 operadoras estão vinculadas à plataforma. “Os reajustes, contudo, seguem critérios próprios das negociações coletivas”, informou a companhia.
A Abramge, entidade que representa as operadoras, afirma que ainda existem cerca de 8,6 milhões de beneficiários em planos individuais, mas lembra que a oferta depende da estratégia de cada empresa. “O plano individual obedece a uma regulação mais específica e seu custo pode ser alto, o que reduz competitividade”, afirma Gustavo Ribeiro, presidente da associação.
Pressão regulatória
A ANS lembra que não pode obrigar empresas privadas a ofertar planos individuais, mas, uma vez registrados, não é possível recusar a comercialização. Desde 2024, a agência discute uma reformulação da Política de Preços e Reajustes para estimular a retomada dessa modalidade, em consulta pública até outubro de 2025.
Para o Idec, a saída passa por nivelar as regras. “É urgente limitar os reajustes dos coletivos e proibir cancelamentos unilaterais. A ANS tem autorização legal para avançar nessa regulação, que é fundamental para proteger o consumidor”, defende Paullelli.
Ponto de inflexão
Com custos médicos em alta, perda de previsibilidade para consumidores e queda na oferta de planos individuais, o setor de saúde suplementar caminha para um ponto de inflexão. Sem mudanças regulatórias, especialistas alertam que a bomba-relógio pode comprometer o equilíbrio econômico das operadoras, ampliar a pressão sobre o SUS e reduzir o acesso à saúde para milhões de brasileiros.
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