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Mídia internacional diz que Brasil confronta passado autoritário ao julgar Bolsonaro

Com início marcado para esta terça-feira, o julgamento da trama golpista pelo Supremo Tribunal Federal (STF) já repercute na imprensa internacional. Entre os destaques está o entendimento de que o Brasil confronta o seu passado autoritário e também o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A síntese é do jornal americano Washington Post, um dos veículos da imprensa estrangeira que repercutiram a “contagem regressiva” para a análise do processo do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus, membros do chamado “núcleo crucial”.

Além do ex-mandatário, são réus os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira; o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ); o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o tenente-coronel Mauro Cid. Eles negam as acusações.

Essa é a primeira vez na História que vão a julgamento acusados por uma tentativa de golpe de Estado. A análise jurídica terá também efeitos na campanha presidencial de 2026 e na recente tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos, cujas autoridades impuseram tarifas a produtos brasileiros e incluíram o ministro Alexandre de Moraes, do STF, no rol de sancionados pela Lei Magnitsky, em meio a críticas sobre supostas violações de direitos humanos contra Bolsonaro e outros acusados.

O Washington Post destacou, em edição de segunda-feira, que apesar da “longa história de golpes”, nenhum general ou político brasileiro havia sido julgado por “subverter a vontade do povo”. “Até esta semana”, ponderou o diário.

“O processo criminal marca uma reviravolta significativa, dizem historiadores, em um país que tradicionalmente escolhe a conciliação em vez da acusação quando se trata de supostos crimes contra o Estado democrático”, disse o Post.

Já o New York Times disse que o julgamento é um momento histórico para a democracia brasileira e apontou que o ex-presidente brasileiro poderá ser condenado a ficar “décadas” na prisão. O processo contra a trama golpista gerou “questionamentos desconfortáveis” sobre a maneira como se deu essa proteção do regime democrático — notavelmente, destacou o NYT, a partir dos “poderes extraordinários” assumidos pelo STF nos últimos anos.

O diário deu destaque para o reforço da segurança na residência onde Bolsonaro está preso. As autoridades brasileiras “estão tomando medidas para apertar ainda mais o cerco ao ex-líder, em meio a crescentes preocupações de que ele possa tentar fugir”, reportou. Policiais à paisana montagem guarda no local para “vigiar de perto” o ex-presidente enquanto ele aguarda o julgamento.

“As autoridades estão especialmente preocupadas com os esforços recentes de um de seus filhos para pressionar a Casa Branca a intervir no caso de seu pai”, ressaltou o NYT, em referência a Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que, dos Estados Unidos, tenta articular pressão internacional em favor da anistia.

Depois de publicar, na capa da última quinta-feira, que o Brasil dá “uma lição de democracia” aos Estados Unidos com o julgamento de um ex-presidente que tentou se manter à força no poder após perder as eleições, a revista britânica “The Economist” fez um podcast sobre Bolsonaro, chamado de “Trump dos Trópicos”. O republicano saiu ileso por incentivar os apoiadores a invadirem o Capitólio, em janeiro de 2021.

“À medida que os Estados Unidos se tornam mais corruptos e autoritários, o Brasil busca responsabilizar seu ex-presidente golpista. O iminente julgamento de Jair Bolsonaro oferece lições sobre como uma nação pode se recuperar do populismo antidemocrático”, disse a revista, na apresentação do conteúdo de áudio.

O britânico The Guardian, por sua vez, apresentou o julgamento com uma entrevista do trompetista Fabiano Leitão. O homem ficou conhecido por tocar o instrumento ao fundo de momentos que marcam reveses de bolsonaristas. Quando Bolsonaro era presidente, o músico ia atrás dele pela capital federal para tocar interpretações do hino antifascista Bella Ciao. Em março, depois de o ex-presidente ser acusado de tramar um golpe, Leitão passou a entoar a Marcha Fúnebre de Chopin.

O jornal britânico diz que o trompetista ensaia um samba para o momento de Bolsonaro ser condenado. “Leitão está entre milhões de brasileiros progressistas que têm o champanhe metafórico na geladeira antes da tão aguardada condenação de Bolsonaro e sete supostos conspiradores, quando o julgamento começar esta semana”, destaca a reportagem.

Para o jornal espanhol El País, o julgamento marca uma “contagem regressiva” para Bolsonaro, seu clã e a direita do Brasil, já que o caso abriu a batalha pela sucessão. A movimentação também deixou em alerta o movimento populista nacionalista conservador internacional, diz a reportagem.

O diário destacou que o ex-presidente pode pegar mais de 40 anos de prisão no “julgamento mais importante da História recente” do país e ressaltou como Trump tentou atrapalhar, sem sucesso.

“A artilharia pesada de Trump — tarifas sobre o Brasil e sanções contra vários juízes do país — aparentemente não afetou o tribunal, que continua com seu calendário. O poderoso juiz Alexandre de Moraes (sancionado pelos Estados Unidos) e outros quatro juízes decidirão o futuro de Bolsonaro em cinco sessões entre 2 e 12 de setembro”, escreveu.

Já o El Universal, do México, destacou que Bolsonaro responde por cinco crimes: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado. Destacou, ainda, que o complô teria incluído ações extremas como o envenenamento do presidente Lula e o assassinato do juiz do STF Alexandre de Moraes, “considerado um dos principais inimigos políticos de Bolsonaro”.

Já o argentino Clarín destacou que o julgamento de Bolsonaro “abala a direita um ano antes das eleições presidenciais”.

O que esperar do julgamento?

O julgamento deverá ser tomado por debates que vão além de declarar se o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus são culpados ou inocentes.

Algumas das definições poderão alterar de forma relevante os desfechos para cada um dos envolvidos, como o regime de cumprimento de pena, se a sentença for desfavorável aos réus; a perda de direitos políticos; e o tamanho da eventual condenação.

Bolsonaro é acusado de “liderar” uma organização criminosa que se baseava em um “projeto autoritário de poder” e visava dar um golpe de Estado.

Os advogados afirmam que o ex-presidente é inocente e não compactuou com qualquer tentativa de ruptura democrática. Durante seu interrogatório no STF, em junho, Bolsonaro admitiu que discutiu “alternativas” para a derrota eleitoral de 2022, mas negou a investida golpista. Segundo afirmou na ocasião, o plano não foi adiante e as propostas foram descartadas, pois não havia “clima”, “oportunidade” e “base minimamente sólida para qualquer coisa”.

Absolvição ou condenação?

Na ação, Bolsonaro é acusado de cinco crimes: liderar organização criminosa armada, tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Para cada um deles, haverá uma avaliação específica.

— Embora seja um único processo, cada crime é julgado de forma independente. Ou seja, os ministros podem condenar por alguns crimes e absolver por outros. E isso é feito de forma separada para cada acusado. Uma das teses da defesa é que haja essa “absorção” de um crime pelo outro — afirma Thiago Bottino, professor de Direito Processual Penal na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Essa discussão prévia sobre a absolvição ou condenação por cada um dos crimes, bem como pela possível junção de duas ou mais acusações em uma mesma conduta, será um dos pontos centrais do julgamento. Isso porque afetará diretamente no tamanho da pena.

Uma das alegações feitas pelas defesas gira em torno de dois dos crimes, o de tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito e o de golpe de estado. No Código Penal, eles são tratados como crimes distintos. Contudo, ministros do Supremo, incluindo Luiz Fux, que participará do julgamento, vem defendendo que eles sejam tratados como um só.

No linguajar jurídico, isso será tratado como “absorção” dos crimes, ou seja, como se um crime englobasse o outro. A defesa defende que, com isso, o crime com menor pena máxima entre os dois seja o escolhido — no caso, o de abolição do crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. As defesas alegam que as duas tipificações criminais são semelhantes e que a condenação por ambas poderia configurar uma dupla punição pelo mesmo fato: em outras palavras, seria impossível abolir violentamente o Estado Democrático de Direito sem também praticar o crime de golpe de Estado.

— O precedente que há é o do julgamento dos manifestantes do 8 de janeiro e o posicionamento majoritário do tribunal é de cumulação das penas. O que ocorre em todos esses casos de manifestantes, quando falam que a pena é muito alta, isso ocorre porque os crimes foram somados. Ao juntar a pena média de cada um deles, eles acabam ficando altos — explica o professor de Direito da FGV, Rubens Glezer.

De acordo com Glezer, outro ponto que deverá fazer parte da definição sobre a condenação ou absolvição nesse caso é a definição do que constitui a “tentativa” de abolir o Estado Democrático de Direito. A acusação precisará provar que os atos praticados por Bolsonaro e outros réus consistem de fato em tentativa e não em mera cogitação.

Dosimetria

Outro ponto que vai impactar no desfecho do julgalmento é a dosimetria da pena, em caso de condenação. De acordo com a legislação penal, o regime de cumprimento da detenção depende necessariamente do tamanho da pena. A soma das penas máximas de todos os crimes a que o ex-presidente responde é de 43 anos de prisão.

Entretanto, o cálculo não é tão simples. O cálculo da pena, também chamado de “dosimetria” é feito em três fases. Em primeiro lugar, os ministros calculam qual a pena-base, que levará em conta questões como a existência ou não de antecedentes, a culpabilidade dos réus e o motivo do crime. Na segunda fase, a Primeira Turma analisará possíveis agravantes ou atenuantes da conduta de cada um dos réus. Por fim, na terceira fase, são analisadas outras causas especiais que possam justificar aumento ou diminuição da pena.

O regime de cumprimento inicial depende da soma das penas: se a condenação for até quatro anos, o regime é aberto. De quatro a oito, o regime é semiaberto. E para penas maiores de oito anos, o regime é fechado.

Prisão ou não?

Uma eventual condenação por mais oito anos — ou seja, regime fechado — de Bolsonaro deve abrir uma nova discussão na Corte: onde o ex-presidente ficará preso.

Bolsonaro está em prisão domiciliar desde o início do mês, e a defesa pode requerer que ele continue nesta condição tendo em vista a idade (70 anos) do ex-mandatário e seus problemas de saúde. Desde que foi vítima de uma facada, em 2018, Bolsonaro já se submeteu a sete intervenções cirúrgicas no abdômen. Nas últimas semanas, ele ainda tem enfrentado crises de soluço. Em julho, declarou que “vomitava dez vezes por dia”.

Inelegibilidade

Além da prisão, outra consequência de uma eventual condenação será a inelegibilidade. Desde junho de 2023, Bolsonaro está impedido de disputar eleições em razão de sua condenação pelo Tribunal Superior Eleitoral por crimes cometidos na disputa presidencial de 2022. Entretanto, de acordo com juristas, uma nova pena agravaria essa condição.

A Lei da Ficha Limpa prevê que um político condenado por órgão colegiado — como é o caso da Primeira Turma do STF — fique inelegível inelegível por oito anos, que passam a ser contados após o término do cumprimento da pena.

Além disso, ele perderia outros direitos políticos: pela legislação brasileira, apenas presos provisórios podem votar — o mesmo ocorreu com o presidente Lula em 2018 que, preso em Curitiba, além de ter sua candidatura indeferida, também não pôde votar na eleição em que Bolsonaro foi vitorioso.

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