A Justiça de São Paulo determinou a colocação de tornozeleira eletrônica na professora aposentada da rede pública Kimio Mizukami da Silva, de 73 anos, mãe do auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Kimio é acusada de ter sido “laranja” em um esquema bilionário de corrupção supostamente montado pelo filho na Fazenda estadual.
A ordem para o monitoramento eletrônico da idosa foi emitida no âmbito da decisão que recebeu a denúncia do Ministério Público contra sete suspeitos ligados ao esquema, que teria movimentado cerca de R$ 1 bilhão em propinas relacionadas à restituição de créditos de ICMS.
A denúncia é um desdobramento da Operação Ícaro, que resultou na prisão do empresário Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, e do diretor estatutário da Fast Shop, Mário Otávio Gomes. Eles, porém, não foram denunciados nesta fase da investigação.
Nesta segunda-feira (1º), a Secretaria da Fazenda e Planejamento deflagrou uma operação para fiscalizar lançamentos de créditos de ressarcimento do ICMS retido por substituição tributária (ICMS-ST), medida que decorre das investigações da Operação Ícaro e das atividades do grupo de trabalho criado pela pasta.
Veja quem responde ao processo:
- Artur Gomes da Silva Neto, auditor fiscal apontado como “cabeça” do esquema;
- Kimio Mizukami da Silva, mãe de Artur, acusada de ser “laranja” das propinas;
- Marcelo de Almeida Gouveia, fiscal da Delegacia Regional Tributária de Osasco;
- Fátima Regina Rizzardi, contadora;
- Maria Hermínia de Jesus Santa Clara, contadora;
- Celso Éder Gonzaga de Araújo, lobista suspeito de lavagem de dinheiro;
- Tatiane da Conceição Lopes de Araújo, esposa de Celso.
A advogada Suzana Camargo, que representa Celso e Tatiane, informou que eles ainda não foram ouvidos pelo Ministério Público e negam envolvimento no esquema. O Estadão também solicitou manifestação das defesas de Artur e dos demais acusados.
“Materialidade e autoria”
A decisão que recebeu a denúncia aponta a existência de “elementos de materialidade e autoria” dos crimes, o que motivou a abertura do processo na 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital. “Pesam contra os réus graves acusações de participação em esquema criminoso”, escreveu o juiz.
O mérito das acusações será analisado apenas no julgamento final da ação penal.
Na mesma decisão, a Justiça manteve os decretos de prisão preventiva de Artur, Marcelo e Celso, além da prisão domiciliar de Tatiane.
“Não há alteração da situação fático-probatória que justifique a revogação das prisões de Artur, Marcelo e Celso, nem da prisão domiciliar concedida a Tatiane, razão pela qual mantenho as medidas”, afirmou o magistrado.
O juiz determinou a instalação de tornozeleiras eletrônicas em Kimio, Fátima e Maria Hermínia. “Os elementos colhidos durante a investigação, expostos na denúncia, fundamentam a aplicação dessas medidas”, diz a decisão.
Kimio, Fátima e Maria Hermínia também deverão comparecer mensalmente à Justiça até a decisão de primeiro grau e, em caso de condenação, até o julgamento de eventual recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo. Elas estão proibidas de se ausentar da comarca onde residem por mais de cinco dias sem autorização judicial e devem entregar seus passaportes.
Segundo a investigação, em troca de propinas, auditores da Secretaria da Fazenda ofereciam uma espécie de assessoria clandestina a empresas que buscavam a restituição do ICMS.
Essas empresas recebiam tratamento privilegiado durante todo o processo, com orientações detalhadas sobre a documentação necessária e auxílio para protocolar os pedidos. Em uma segunda etapa, os fiscais aceleravam os requerimentos, que eram colocados à frente da fila, e liberavam os pedidos de restituição.
O papel de cada réu, segundo o Ministério Público
O auditor Artur Gomes da Silva Neto é apontado como o “cérebro” do esquema e o principal articulador das fraudes. Ele teria usado uma empresa de fachada registrada em nome da mãe, Kimio Mizukami da Silva, para receber as propinas.
A investigação começou a partir da evolução patrimonial da professora aposentada. Em 2021, ela declarou R$ 411 mil ao Imposto de Renda. Em 2022, seu patrimônio saltou para R$ 46 milhões e, em 2024, para R$ 2 bilhões, decorrentes dos “rendimentos” da empresa.
Ao receber a denúncia, o juiz destacou que “tanto a renda de Kimio quanto os lucros de sua empresa aumentaram exponencialmente, o que indica envolvimento no esquema de corrupção”.
O empresário Celso Éder Gonzaga de Araújo é apontado como lobista do esquema. Há indícios de que ele também oferecia “consultoria” a empresas com débitos tributários federais. Celso foi preso em casa com R$ 1,2 milhão em dinheiro vivo, além de dólares, euros, criptomoedas e dois pacotes de esmeraldas.
O fiscal Marcelo de Almeida Gouveia seria aliado de Artur e ajudaria a resolver “pendências” do esquema. E-mails obtidos na investigação mostram que Marcelo recebeu diversas demandas de restituição de filiais da Fast Shop, incluindo um despacho já pronto para assinatura.
Os procedimentos de ressarcimento de ICMS são complexos e burocráticos. As contadoras Fátima Regina Rizzardi e Maria Hermínia de Jesus Santa Clara são descritas como “assistentes nos serviços criminosos”, auxiliando Artur na elaboração dos pedidos de ressarcimento.
As defesas foram notificadas para apresentar resposta em dez dias.
Com a palavra, as defesas
Até a publicação deste texto, a reportagem não conseguiu contato com as defesas. O espaço está aberto para manifestação
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