A condenação da Volkswagen do Brasil ao pagamento de R$ 165 milhões por dano moral coletivo, em decisão proferida pela Justiça do Trabalho do Pará, reacendeu o debate sobre violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar e reforçou o entendimento jurídico de que crimes dessa natureza são imprescritíveis.
A decisão foi proferida na sexta-feira pelo juíz Otavio Ferreira da Vara do Trabalho de Redenção (PA). A multa é considerada a maior da história do país envolvendo um caso de trabalho escravo contemporâneo.
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Justiça manda Volkswagen pagar R$ 165 mi por trabalho escravo nos anos 1970 e 80
Decisão em primeira instância afirma que a montadora se beneficiou de práticas análogas à escravidão nos anos 1970 e 1980
O que motivou a ação
A sentença tem origem em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em dezembro de 2024. O processo reuniu documentos e depoimentos coletados desde 2019 pela Comissão Pastoral da Terra, que denunciaram práticas de exploração na Fazenda Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia (PA). O local ficou conhecido como “Fazenda Volkswagen”, onde a empresa desenvolvia atividades agropecuárias entre 1974 e 1986.
Segundo o MPT, centenas de trabalhadores foram submetidos a condições degradantes: vigilância armada, alojamentos precários, alimentação insuficiente, servidão por dívida e ausência de assistência médica. Muitos foram aliciados em diferentes regiões do país e transportados até a fazenda, onde ficaram impedidos de deixar o trabalho.
Por que a condenação é considerada histórica
Para o procurador Rafael Garcia, responsável pelo caso, a decisão representa a maior condenação por trabalho escravo contemporâneo já aplicada no Brasil. Além do valor recorde, a sentença reconhece que esse tipo de violação tem caráter imprescritível, ou seja, pode ser objeto de ação judicial mesmo décadas após sua ocorrência.
O magistrado responsável destacou que a empresa “beneficiou-se diretamente da exploração ilícita da mão de obra” e que relatórios oficiais, testemunhos e documentos de órgãos públicos comprovam o modelo de servidão por dívida e violência, características centrais do trabalho escravo moderno.
O que acontece com a indenização
Os R$ 165 milhões fixados pela Justiça deverão ser destinados ao Fundo Estadual de Promoção do Trabalho Digno e de Erradicação do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo do Pará (Funtrad/PA). Além da compensação financeira, a sentença prevê que a Volkswagen faça um reconhecimento público de sua responsabilidade e apresente pedido formal de desculpas aos trabalhadores atingidos e à sociedade brasileira.
O papel do Estado à época
O caso também lança luz sobre a conivência do Estado brasileiro durante o regime militar (1964-1985). O empreendimento agropecuário da Volkswagen contou com financiamento da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), e o MPT sustenta que houve permissividade de autoridades diante das denúncias de exploração.
A resposta da empresa
Procurada, a Volkswagen do Brasil afirmou que vai recorrer da decisão. Em nota, declarou que “segue sua defesa em busca de justiça e segurança jurídica nas instâncias superiores” e que “defende consistentemente os princípios da dignidade humana, cumprindo rigorosamente as leis e regulamentos trabalhistas aplicáveis”. A montadora também reiterou compromisso “inabalável com a responsabilidade social”.
Casos anteriores de colaboração com a ditadura
Não é a primeira vez que a empresa aparece em denúncias ligadas ao regime militar. Em 2017, uma investigação interna da própria Volkswagen reconheceu que funcionários colaboraram com o aparato repressivo da ditadura, inclusive permitindo prisões dentro da fábrica, perseguindo trabalhadores sindicalizados e compartilhando informações com órgãos de repressão.
O que vem a seguir
A decisão ainda é de primeira instância e caberá recurso. Independentemente do resultado, juristas destacam que a sentença cria precedente ao reforçar que práticas análogas à escravidão não prescrevem e podem ser julgadas a qualquer tempo. O caso também expõe como empresas multinacionais podem ser responsabilizadas por violações históricas de direitos humanos no Brasil.
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