Os “tubarões fantasmas” (Hydrolagus colliei), também chamados de quimeras, são um grupo de peixes que vivem em águas profundas. Parentes de tubarões e raias, eles possuem características pouco encontradas na natureza, como uma estranha haste na testa coberta por dentes.
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Pesquisadores da Universidade da Flórida (UF), nos Estados Unidos, descobriram que esse apêndice, além de conter dentes verdadeiros, tem função no acasalamento dos animais. Os achados foram registrados nesta quinta-feira (4) na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).
Apenas os machos de espécies de “tubarões fantasmas” possuem esse órgão acessório, chamado de tenáculo. Segundo os cientistas, ele parece ser usado para grudar as fêmeas durante o acasalamento, de forma semelhante aos tubarões, que mordem a parceira nas nadadeiras ou nas costas para se agarrarem a ela.
Mas como os dentes das quimeras foram parar no meio da cabeça?
Dentes fora da boca
Para entender de onde essa adaptação surgiu, a equipe de pesquisadores trabalhou com a análise de fósseis antigos e espécimes vivos.
Tomografias computadorizadas forneceram informações sobre o desenvolvimento do tenáculo nesses animais: a comparação entre um fóssil de 315 milhões de anos e quimeras modernas coletadas (Hydrolagus colliei) revelaram não apenas o mesmo crescimento dentário na cabeça, como também a mesma expressão de genes dos dentes da boca.
Foi verificado também que o processo de crescimento se assemelha ao que se vê nas mandíbulas de tubarões, e que a composição das estruturas do tenáculo são as mesmas de dentes verdadeiros.
Imagens de tubarões fantasmas estudados, assim como a tomografia da estrutura de um tenáculo no lado direito
Karly Cohen/PNAS
“O que descobrimos é que os dentes neste apêndice estranho se parecem muito com fileiras de dentes de tubarão. A capacidade de produzir dentes foi transferida para esse apêndice, provavelmente a partir da boca”, diz Gareth Fraser, um dos autores do estudo. “Com o tempo, o tenáculo encurtou, mas manteve a capacidade de produzir dentes orais”.
Um jovem tubarão da espécie “Hydrolagus colliei”
Gareth J. Fraser, University of Florida
Gambiarra evolutiva
Em comunicado da UF, os cientistas destacam como o caso dos tubarões fantasmas é um fascinante exemplo de uma “gambiarra evolutiva”. As evidências paleontológicas e de dados experimentais mostraram como esses peixes “reaproveitaram um programa pré-existente de fabricação de dentes para criar um novo dispositivo essencial para a reprodução”, afirma Michael Coates, autor do estudo e pesquisador da Universidade de Chicago.
Porém, longe de ser uma anomalia, o tenáculo das quimeras é uma das primeiras descobertas de estruturas dentárias surgidas fora de mandíbulas, o que mostra a flexibilidade dos caminhos traçados pela evolução. “Ainda há muitas surpresas nas profundezas oceânicas que ainda não descobrimos”, observa Fraser.
Tomografia computadorizada do clasper frontal (Tenaculum) do “tubarão fantasma” macho adulto, coberto por fileiras de dentes (cores do arco-íris)
Specimen scanned by Karly Cohen; rendering and image by Ella Nicklin