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Quem é a historiadora citada por Cármen Lúcia e Cristiano Zanin em julgamento de Bolsonaro no STF


Na quinta-feira (11), durante o último dia de votação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a chamada “trama golpista”, que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, os ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin referenciaram em suas argumentações uma mesma pesquisadora: Heloísa Murgel Starling. A brasileira atua como professora titular-livre da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
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Uma das obras da cientista, o livro Máquina do Golpe (Companhia das Letras, 2024) foi citado primeiro pela ministra Lúcia enquanto ela discutia o contexto histórico e social que levou à deposição violenta do então presidente João Goulart (Jango) pelos militares em 1964. O golpe de Estado, conduzido entre os dias 31 de março e 1º de abril, instaurou a Ditadura Militar no país, a qual perdurou até 1985.
Como destaca o jornal O Globo, ao comentar o voto da colega, o também ministro Flávio Dino afirmou que o golpe de 1964 deixou menos rastros do que a tentativa de golpe que Jair Bolsonaro foi condenado por liderar. “A lembrança do golpe de 64, é curiosa porque nele tinha menos prova documental do que nesta tentativa. Agora só faltou lavrar ata”, afirmou Dino.
Posteriormente, Zanin voltou a mencionar a especialista, desta vez, de maneira direta, relembrando uma declaração feita por ela durante participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, em abril de 2024: “Quando você pensa em golpe de Estado, pensa na primeira fase, que é a conspiração. Nós vamos conspirar, como é que nós vamos derrubar um governo legalmente constituído e ocupar o poder? A segunda fase é como eu crio uma situação de instabilidade institucional de tal maneira que eu, golpista, possa ocupar o poder ilegalmente”, declarou.
Starling lembrou que todas as tentativas de golpe de Estado no Brasil foram fortificadas pela elevação dos ânimos dos golpistas. Em 1937, a suposta insurreição comunista do Plano Cohen abriu as portas para Getúlio Vargas iniciar a ditadura do Estado Novo. Em 1964, a quartelada e a saída das tropas fizeram o mesmo pelos militares. “Talvez, no dia 8 de janeiro de 2023 [data dos ataques às instituições democráticas em Brasília], o caos tenha feito o trabalho”, disse a historiadora.
Quinta e última sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos réus do Núcleo 1 da trama golpista, formado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Mas, afinal, quem é Heloísa Murgel Starling? E por que o seu trabalho é tão significativo ao ponto de ser referenciado em diferentes momentos de um evento histórico para a política brasileira?
Heloísa Murgel Starling
Graduada em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e em História pela UFMG, Starling construiu uma sólida trajetória acadêmica. Ela tem especialização em Política Comparada, mestrado e doutorado em Ciência Política, além de uma carreira consolidada como professora titular-livre da UFMG.
É autora de obras fundamentais da história do país, como Os senhores das Gerais (1986), Lembranças do Brasil (1999), Ser republicano no Brasil colônia (2018) e, em parceria com Lilia Moritz Schwarcz, Brasil: Uma biografia (2015). Em suas obras, ela ficou conhecida por combinar pesquisa minuciosa com uma escrita acessível, capaz de dialogar tanto com a academia quanto com o grande público.
O reconhecimento de Starling vai além da sala de aula e da produção bibliográfica. Em 2012, ela assumiu papel central como assessora da Comissão Nacional da Verdade (CNV), responsável por investigar as violações de Direitos Humanos cometidas pelo Estado entre 1946 e 1988. Nesse contexto, seu trabalho se destacou pela delicadeza em lidar com a memória das vítimas e pela capacidade de transformar documentos, testemunhos e arquivos em narrativas que questionam o passado.
Durante aula inaugural da Casa de Oswaldo Cruz no dia 25 de março de 2013, a própria historiadora definiu esse processo como um “artesanato delicado”, no qual cabe ao pesquisador alinhar memória e história, sem abrir mão do direito à justiça e à vida. Foi a partir dessa postura que ela coordenou iniciativas inovadoras, como a criação de um acervo digital com milhares de documentos, imagens e canções, permitindo que a sociedade brasileira tenha acesso a fragmentos de sua própria memória – inclusive aqueles que tentaram ser apagados pela censura institucional.
A relevância de Heloísa Starling também se manifesta em sua análise do Brasil contemporâneo. Em entrevistas e artigos, ela identifica como elementos do passado são “emprestados” para moldar disputas políticas atuais, como, por exemplo, a reatualização do discurso anticomunista em pleno século 21.
Como relata em entrevista ao jornal O Globo, a fragilidade democrática brasileira não está apenas nas instituições, mas, sobretudo, na ausência de uma cultura democrática sólida, capaz de sustentar valores coletivos contra o autoritarismo. Da Ditadura Militar ao bolsonarismo, Starling aponta que a democracia corre riscos sempre que a sociedade abdica da responsabilidade de defendê-la.
Não à toa, o trabalho de Heloísa Murgel Starling é referenciado em momentos-chave da política brasileira. Ao ultrapassar a descrição factual do passado, ela questiona quem se beneficiou, quem se silenciou e quem resistiu aos eventos históricos. Assim, articula memória, história e política de forma a iluminar tanto os erros quanto as possibilidades do futuro.