Quando cultura e negócios se entrelaçam para gerar impacto e pertencimento o resultado é assertivo”. Essa foi uma das frases utilizadas pelo arquiteto Alexandre Salles para compor este artigo. Trata-se de uma de reflexão que nos convida a identificar, na arte e na cultura — especificamente a afro-brasileira —, a relevância socioeconômica. Alexandre — arquiteto e urbanista, mestre em Semiótica Urbana pela FAU-USP — é também pesquisador e coordenador acadêmico do IED Brasil.
Especialista em ancestralidade na arquitetura, design e artesanato, atua na construção de pontes entre tradição, inovação e impacto cultural, e tem feito isso com maestria. À frente do Estúdio Tarimba, ele divide comigo estas linhas, nas quais falaremos da importância da arte afro-brasileira para fomentar novas possibilidades econômicas para o Brasil. “Em um país que insiste em marginalizar corpos e saberes negros, cada obra, objeto ou projeto que emerge desse território carrega uma força política. É uma prova viva de que a criação é também uma forma de reivindicar espaço — no imaginário, nas instituições, nas cadeias produtivas e no investimento”, contextualiza Alexandre.
A “Ocupação Terreiro”, na Casacor 2024, transformou o espaço em um território de memória e resistência, onde cada elemento carregava camadas simbólicas ligadas à tradição e à coletividade.
Salvador Cordaro/Divulgação
As questões sociais e raciais, estruturas marcantes na história do país, são ponto fundamental para essa discussão, que passa também pelo reconhecimento de quais artes e artistas serão validados nos meios. Essa narrativa formou um povo que, ainda hoje, tem dificuldade de valorizar sua brasilidade e a arte que a ela corresponde de maneira genuína, com toda a sua representação e apresentação autêntica. “A arte afro-brasileira não é apenas expressão estética: é estratégia de afirmação, resiliência e reconstrução de narrativas. Ela opera no campo simbólico e no mercado, desafiando hierarquias históricas e ampliando repertórios culturais e econômicos”, afirma o arquiteto.
Estamos falando de negócios e, sendo assim, vale ressaltar a importância da valorização financeira quando nos referimos à produção advinda de mãos negras — mãos que, desde o século XV, movimentam a economia sem o devido reconhecimento financeiro e artístico. “O avanço dessa arte no mercado global é visível: colecionadores, curadores e marcas de prestígio reconhecem sua singularidade e relevância. No entanto, o desafio está em garantir que a valorização estética venha acompanhada de políticas de fomento, acesso a mercados e remuneração justa para seus criadores”, ressalta o pesquisador.
No ambiente “Ocupação Terreiro”, a ancestralidade foi traduzida em linguagem espacial. A proposta uniu arte, espiritualidade e cultura afro-brasileira em uma leitura contemporânea de pertencimento
Salvador Cordaro/Divulgação
A economia criativa é responsável por movimentar bilhões no mundo e encontra, na arte afro-brasileira, um campo fértil para crescimento. De acordo com o Mapeamento da Indústria Criativa 2025, apresentado pela FIRJAN, o setor criativo no Brasil representou mais de 3,59% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023, o que correspondeu a R$ 393,3 bilhões.
Diante desses dados, é possível perceber uma evidente tendência de expansão. Com a valorização da diversidade cultural, o mercado precisa se mostrar cada vez mais aberto a reconhecer, incorporar e potencializar a produção artística e todas as suas camadas sociais. “Como arquiteto e pesquisador, vejo na arte afro-brasileira não apenas um legado, mas um laboratório de inovação cultural e social. Ela nos ensina que estética e ética são indissociáveis e que o futuro dos negócios criativos passa, inevitavelmente, pelo reconhecimento e fortalecimento de vozes historicamente silenciadas”, informa Salles.
Alexandre Salles
Divulgação
Tenho em mim o desejo de um lugar de pertencimento e respeito a todas as artes, religiões e culturas, tal qual nossas leis. Somos um povo que carrega saberes, riquezas e conhecimentos que correspondem a nossa diversidade étnico-racial e, sendo assim, a produção criativa se dá em terreno fértil e fundado na troca, jamais na exclusão. “A arte afro-brasileira não pede licença para existir — ela inaugura caminhos. Cabe a nós garantir que esses caminhos se mantenham abertos, férteis e potencialmente transformadores”, conclui Salles.
Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.
Quer participar do canal da Vogue Brasil no WhatsApp?
Basta clicar neste link para participar do canal e receber as novidades em primeira mão. Assim que você entrar, o template comum de conversa do WhatsApp aparece na sua tela. A partir daí, é só esperar as notícias chegarem!