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Por que escolhemos amar alguém que carrega marcas parecidas com as nossas?


Um estudo recente publicado na revista Nature Human Behavior analisou milhões de pessoas em diferentes países e mostrou algo curioso: quem tem algum diagnóstico psiquiátrico tende a se casar com alguém que compartilha uma condição semelhante. A probabilidade é maior do que o acaso explicaria. Entre as hipóteses, os cientistas falam de reconhecimento no sofrimento, de ambientes que aproximam os semelhantes e até do estigma social que reduz as opções de parceiros.
Mas além das estatísticas, há uma pergunta que toca fundo: o que significa escolher, para amar, alguém que carrega marcas parecidas com as nossas?
A psicanálise nos ajuda a pensar. Freud mostrou que nossa vida não é feita apenas de escolhas conscientes. Há algo em nós, que ele chamou de inconsciente, que insiste em retornar. Não escolhemos do nada quem amar. Repetimos. Reencenamos padrões que nos atravessaram na infância, na forma como fomos cuidados, na maneira como aprendemos a lidar com a falta, com a dor e com o afeto.
Winnicott, outro psicanalista importante, falava que quando o ambiente falha em sustentar a espontaneidade da criança, ela aprende a se adaptar, muitas vezes sufocando o que é mais verdadeiro em si. Essa adaptação pode se tornar uma espécie de “máscara” de sobrevivência. E ao longo da vida, é comum buscarmos no outro alguém que confirme esse mesmo modo de existir.
Por isso, não é difícil entender por que tantas pessoas se unem em torno de dores semelhantes. Amamos no outro a ferida que também carregamos. Há um reconhecimento silencioso quando encontramos alguém que conhece a mesma angústia, a mesma oscilação, a mesma dificuldade de habitar o mundo. Nesse espelho, sentimos menos solidão.
O dado estatístico só confirma o que a clínica já ensina: muitas vezes, amar é repetir. E repetir não porque desejamos sofrer, mas porque buscamos, sem saber, uma chance de dar outro destino àquilo que nos marcou. O problema é que, em vez de transformação, o que costuma acontecer é a insistência: o velho roteiro vivido de novo, agora com novos atores.
A pesquisa também mostra que filhos de dois pais com o mesmo diagnóstico têm mais chance de desenvolver a condição. Aqui a psicanálise acrescenta um detalhe importante: não se transmite apenas pelo sangue, mas também pela forma de viver, pelas palavras e silêncios, pelas marcas não elaboradas que passam de geração em geração. Transmitimos não só genes, mas modos de lidar com a dor.
O inconsciente não conhece a categoria do novo. Ele insiste em repetir o já vivido, até que algo possa finalmente ser simbolizado, isto é, colocado em palavras, elaborado, pensado. Por isso, quando não conseguimos falar de certas experiências, elas tendem a retornar em atos, em sintomas, em escolhas que parecem sem explicação.
Amar, então, é sempre um risco. Pode ser o risco de repetir cegamente, girando no mesmo labirinto. Mas também pode ser o risco de, ao reconhecer no outro a nossa dor, abrir um espaço para transformá-la. O desafio não é evitar a repetição, pois ela faz parte da vida, mas criar formas novas de lidar com ela.
O estudo científico traz os números. A psicanálise mostra o sentido: o amor não é uma decisão racional, mas um campo onde o inconsciente se manifesta. No fundo, repetimos porque desejamos. E talvez o verdadeiro trabalho seja transformar essa repetição em criação, para que o amor não seja apenas o retorno do mesmo, mas também a chance de nascer algo novo.
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