42 milhões de brasileiros enfrentam queda de cabelo, estima a Sociedade Brasileira de Dermatologia. No entanto, se você é uma mulher negra, tem o dobro de chance de enfrentar a alopecia em comparação com mulheres brancas.
Nos últimos anos, personaliades como Naomi Campbell, Viola Davis, Jada Pinkett-Smith, Xuxa e Deborah Secco falaram abertamente sobre o problema, o que contribuiu para reduzir o estigma em torno da calvície de mulheres. “Na contramão de outras questões de saúde, quando falamos em queda de cabelo, mulheres demoram muito para buscar ajuda e tratamento em comparação aos homens. Isso tem mudado, as pessoas estão falando mais sobre alopecia, mas ainda há um estigma de que queda de cabelo é um problema masculino, que não acomete mulheres. Isso é um mito”, fala a dermatologista Marta Barros Fehr, especialista em cosmiatria e tricologia.
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Existem vários tipos de alopecia, mas as que mais acometem mulheres negras são a alopecia de tração e a alopecia centrífuga central. As razões para a incidência mais alta neste grupo são pelo menos duas: primeiro, os fios crespos têm formato diferente dos lisos, ondulados e cacheados – são mais finos e mais sujeitos a quebra; segundo, costumam ser mais expostos à práticas como alisamentos e tranças muito fortes, que podem agredir o couro cabeludo e impactar o nascimento de cabelo em algumas regiões da cabeça, explica a tricologista Josi Helena, especializada em cabelos crespos.
A maior parte das pacientes de Josi têm mais de 35 anos. “Quanto mais velhas, mais elas passaram por alisamentos, alongamentos, penteados apertados, perucas, apliques, e mais delicado o quadro, seja de alopecia por tração, seja de alopecia centrífuga central”, fala a tricologista. “Trata-se de um contexto de violência racial, porque são mulheres que passam a vida expostas a um padrão de beleza que associa ao feminino o cabelo comprido e com movimento, seja liso ou com cachos perfeitos. Mulheres crespas e crespíssimas, portanto, têm um tipo oposto ao que entendemos como feminino. Isso gera muita dependência emocional de tranças, alisamentos e até laces e alongamentos”, completa a especialista.
A boa notícia é que há caminhos para reverter a perda de cabelos. Atualmente, profissionais combinam uma série de técnicas, como tônicos, sessões de laser e fotobiomodulação, a depender da extensão do dano. Mas há novos tratamentos – recém-chegados ou ainda em fase de pesquisas – que têm apresentado resultados promissores: é o caso de procedimentos com uso de sangue e gordura do próprio corpo da paciente, e também de medicamentos para diabetes manipulados como creme para a cabeça.
Recorremos a duas tricologistas para explicar tudo sobre os tratamentos possíveis para alopecia:
Como funciona o tratamento para alopecia em mulheres negras?
As profissionais explicam que o tratamento para alopecia depende do que ocasiona a queda de cabelo. Alopecias congênitas ou do fundo emocional demandam o envolvimento de outras especialidades médicas, além de dermatologistas e tricologistas.
Mas, se estamos falando das quedas de cabelo mais comuns em mulheres negras, ou seja, adquiridas ao longo da vida, o primeiro passo é interromper a prática que está agredindo o couro cabeludo, sejam tranças, perucas, alongamentos ou alisamento químico. “Qualquer tipo de alisamento é nocivo para o couro cabeludo, ainda que seja liberado pela Anvisa”, alerta Josi Helena.
Esta etapa gera resistência em grande parte das pacientes: “Quando chegam ao consultório e eu explico o que está causando a queda de cabelo, elas entram em negação. Existe uma dependência emocional muito grande dos alisamentos, das tranças e das perucas. Muitos tratamentos não alcançam resultado satisfatório porque as pacientes não conseguem abrir mão dessas práticas”.
A alopecia por tração vai evoluindo, ou seja, seguir repetindo essa prática quebra os fios, inflama ainda mais o couro cabeludo e aumenta a extensão do dano até que se torne uma alopecia cicatricial – quando os folículos capilares morrem, não é possível reverter a produção de cabelos e a única saída é o transplante capilar.
“O couro cabeludo precisa de uma folga, de um respiro. Não estou dizendo para as pessoas pararem de usar tranças, essa é uma prática estética e cultural muito importante para nós, mulheres negras, mas nada substitui nosso cabelo natural”, fala.
Depois, é preciso controlar o processo inflamatório do couro cabeludo – para isso, é posto em prática um protocolo que pode envolver uso de tônicos, sessões de fotobiomodulação, radiofrequência, eletroterapias, lasers, ácido hialurônico injetável enriquecido com vitaminas, entre outras estratégias, a depender da extensão do dano. “Um tecido inflamado por muito tempo não estabiliza de uma hora para outra”, explica Marta Barros Fehr.
Por fim, com o couro cabeludo bem cuidado, é hora de estimular a produção de novos cabelos saudáveis. Nesta etapa, são comuns sessões de microagulhamento de ativos estimuladores de crescimento capilar. Os cosméticos podem ajudar no tratamento da pele – embora não atuem especificamente no estímulo do crescimento capilar, produtos de uso tópico contribuem para manter o couro cabeludo saudável, acalmando a pele, restabelecendo a barreira cutânea e equilibrando o pH da região.
Novos tratamentos para alopecia
Medicina regenerativa: PDRN, nanofat e plasma rico em plaquetas
A medicina regenerativa ganha cada vez mais espaço nos consultórios de dermatologistas, para procedimentos estéticos faciais, mas também apresentam resultados promissores no couro cabeludo. É o caso de plasma rico em plaquetas, do PDRN (extrato de DNA retirado dos salmões) e do nanofat (técnica que retira e manipula a gordura do corpo antes de injetar novamente em outra área para estimular a regeneração celular).
Aqui, vale uma observação: embora pesquisas apontem que o PDRN apresenta resultados promissores no couro cabeludo ao redor do mundo, sua a injeção ou microagulhamento ainda não são aprovados pela Anvisa; no Brasil, apenas o uso tópico é liberado, mas a literatura aponta resultados positivos apenas na injeção intraderme.
O mesmo vale para os exossomos de origem vegetal, pequenas vesículas extracelulares que atuam como “mensageiras” das células com alta capacidade regenerativa mas que ainda não têm autorização da Anvisa para aplicação injetável ou com microagulhamento, apenas uso tópico, que não apresenta muitos resultados contra a queda de cabelo.
O que a ciência tem estudado e aposta para o futuro:
Metformina
A dermatologista Crystal Aguh, diretora do departamento de pele étnica do Johns Hopkins School of Medicine, nos Estados Unidos, está fazendo testes para tratar a alopecia centrífuga central de suas pacientes com metfoformina, um medicamento aprovado pela agência de regulação do governo dos Estados Unidos FDA (Food and Drug Administration) para reduzir níveis de açúcar no sangue de pessoas com diabetes.
Segundo disse à revista Allure, a médica tomou conhecimento que a metformina poderia ser usada para tratar diversos tipos de cicatrizes, como queloides e miomas, e decidiu testar o medicamento no tratamento de alopecia cicatricial – casos em que o couro cabeludo inflama tanto que desenvolve cicatrizes e para de produzir fios novos e saudáveis.
A médica, então, passou a receitar o medicamento em forma de creme para suas pacientes usarem no couro cabeludo. Em suas pesquisas, Aught registrou que metade dos pacientes observou crescimento capilar após o uso contínuo da medicação.
Crystal Aguh reconhece que ainda não há dados suficientes para comprovar que a metformina pode tratar a alopecia, mas acredita que os resultados iniciais são promissores e que o nível de segurança do medicamento pode tornar a metformina uma opção de tratamento viável em casos de queda de cabelo com cicatrizes.
Tricopat
O Tricopat, um dispositivo que introduz estimuladores de crescimento capilar no couro cabeludo e é usado na Itália há alguns anos, começa a ser testado nos Estados Unidos e disponibilizado para importação.
Capaz de aplicar correntes elétricas diretamente nos folículos, é usado há alguns anos para o tratamento de hiperidrose. Mas a dermatologista Achiamah Osei-Tutu, de Nova York, começou a testar o equipamento para aplicar estimuladores de crescimento capilar no couro cabeludo. O estudo apresenta bons resultados para a alopecia androgenética, mas tem se mostrado promissor também no tratamento de alopecia centrífuga central, mais comum entre mulheres negras.
Enquanto a maioria dos tratamentos usa microagulhamento para injetar ativos de crescimento de cabelo intraderme, o Tricopat usa iontoforese, um procedimento no qual corrente elétrica são utilizadas para aplicar os ativos diretamente nos folículos capilares. “Vimos resultados realmente excelentes em pacientes com cabelos crespos e que sofrem com alopecia centrífuga central”, disse a médica à Allure. “Normalmente, levamos de oito a nove meses para ver qualquer diferença em tratamentos deste tipo, mas com o Tricopat, temos visto resultados em poucas sessões.”
Ainda há poucas pesquisas apontando os resultados mais amplos do Tricopat, que ainda não tem aprovação da FDA nos Estados Unidos. No entanto, um estudo da Universidade de Bolonha, na Itália, país fabricante do dispositivo, corrobora a eficácia da técnica e diz que ela “melhora da densidade capilar e espessamento do diâmetro da haste capilar na maioria dos pacientes”.