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Patrulha do sexo na menopausa: por que ainda é tão difícil dizer que não sente desejo?


“Como assim você não sente vontade de transar?”
Engana-se quem pensa que a frase faz parte do diálogo entre um casal. Por mais estranho que pareça, ela tem sido dita com frequência, acompanhada de um ar de espanto e certo desdém, em conversas entre mulheres maduras. “Minha vida sexual está ótima! Você precisa ver o que está acontecendo com você, fazer algum tratamento”, concluem algumas, deixando no ar aquela interrogação que faz quem não esta assim, tão animada sexualmente, se sentir mal, como se isso realmente fosse um problema.
No imaginário coletivo, não existe espaço para admitir que a libido diminuiu, que o sexo perdeu prioridade ou que, simplesmente, o corpo não responde mais como antes. A cultura atual está transformando essa mudança fisiológica em defeito. “Muitas mulheres pensam: ‘estou quebrada, preciso me consertar’. Compram desejo em ampolas de testosterona como se fosse uma obrigação sentir isso”, analisa a psiquiatra e psicoterapeuta Nina Ferreira. “E se esquecem de que a sexualidade feminina é muito mais mental do que hormonal, e que a vida sexual não precisa seguir o modelo masculino para ser plena.”

A procura cada vez maior por testosterona, muitas vezes indicada de amiga para amiga como sendo o segredo para a libido a mil na menopausa, tem provocado uma espécie de masculinização do desejo feminino. “Mas a ciência não sustenta o fato de que esse hormônio é uma solução mágica para a libido da mulher”, avisa o dr. Ramon Marcelino, médico endocrinologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “Um dos consensos mais importantes sobre o tema, publicado pela International Society for the Study of Women’s Sexual Health (2021), alerta: não existem exames laboratoriais sensíveis o suficiente para diagnosticar baixa testosterona feminina. Muitas mulheres com concentrações normais, ou até muito baixas, apresentam desejo sexual saudável.”
O especialista ainda ressalta que, diferentemente do que muitos imaginam, a testosterona não é a única protagonista do desejo sexual feminino. “Durante a vida reprodutiva da mulher, quem rege os ciclos hormonais são o estrógeno e a progesterona. A testosterona está presente, sim, mas em concentrações bem menores — e que, curiosamente, caem pouco com a chegada da menopausa. Ou seja, muitas mulheres que se queixam de desejo sexual reduzido nessa fase da vida apresentam, proporcionalmente, concentrações de testosterona até mais elevadas do que antes”, explica o endocrinologista.
Sempre questionada
Na juventude, a vigilância sobre a sexualidade feminina tem outra face: não pode cedo demais, não pode com muitos parceiros, não pode gostar demais. Mas, passados os 45 anos, quando a vida sexual já poderia ser um território de liberdade, surge um novo tipo de patrulha: a de que o desejo tem que continuar o mesmo, custe o que custar.
Claudia Raia, Fernanda Lima, Ingrid Guimarães já se arriscaram a falar em público sobre essa mudança: da falta de vontade à liberdade de só fazer quando quiser. Do receio em assumir o desinteresse ao sentimento de angústia ao ver outras fazendo propaganda da libido… “O que era para ser uma liberdade, acaba virando um aprisionamento, porque começa a haver uma avaliação coletiva do que é certo e errado. E a sexualidade é algo extremamente particular”, pondera a psiquiatra.
E quando se fala do desejo feminino, o tema ganha matizes ainda mais subjetivos. “A libido da mulher não é uma entidade única. Ela pode ser espontânea, com pensamentos e desejos sexuais que surgem do nada, ou reativa, despertada pelo toque, pela intimidade, pelo momento”, explica o dr. Ramon. Existem muito mais coisas entre o desejo da mulher e a relação sexual do que simples doses de testosterona. Vale lembrar, como menciona a dra. Nina, que a perda de atração ou de libido em mulheres jovens, distantes ainda da menopausa, não é nada raro. “O desejo da mulher é multifatorial. São muitas chaves que precisam ser ligadas. E ela precisa querer ligar. E se não quiser, tudo bem.”
Sem receios de dizer “agora não”
Para a psiquiatra, um dos motivos por trás do receio de assumir o desinteresse sexual nessa fase é o medo não só de parecer menos atraente, como também de perder amor e companhia. “Deixar de ser desejada é, para muitas, sinônimo de ficar sozinha. E o envelhecimento já carrega o medo da solidão. Quando se junta ao receio de não ser mais desejada, a angústia se multiplica”, observa. A saída, segundo Nina, está na honestidade — primeiro consigo mesma, depois com o parceiro ou parceira. “O sexo pode ser diferente e até melhor, com outro ritmo, outra intensidade. É hora de se redescobrir.”
Encarar a sexualidade sob o prisma da maturidade saudável, sem cobrança, sem regras, sem ter que isso ou aquilo, é libertador. Mas, para que isso aconteça, é preciso, antes de qualquer coisa, entender e aceitar o que é importante para você. Sem cair na cilada da competição. É tirar o peso da comparação e abrir espaço para um novo tipo de prazer. Um que não se mede em frequência, mas em conexão. “A libido ideal não é alta, constante ou performática. Ela é autêntica, respeitosa e, acima de tudo, individual”, conclui a dra. Nina.