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O que é “ombro congelado” e por que ele não é só uma lesão local?


Você já tomou um milkshake rápido demais e teve a sensação de “congelamento” do cérebro? Ainda que em um contexto diferente, os seus ombros também podem “congelar”— esta condição é conhecida como “ombro congelado” e é um problema musculoesquelético com origens metabólicas, inflamatórias e comportamentais.
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Também chamada de capsulite adesiva, trata-se de uma inflamação que causa dor intensa, rigidez e limitação nos movimentos das articulações dos ombros, podendo durar de um a dois anos e impactar negativamente a qualidade de vida dos pacientes afetados.
Dois estudos publicados em maio e junho deste ano – um no periódico Journal Clinical Medicine e, o outro, no BMC Musculoskeletal Disorders – ampliam meios de tratar o “ombro congelado”. Estima-se que a condição atinja entre 2% e 5% da população mundial, sobretudo mulheres entre 40 e 60 anos.
Em entrevista à GALILEU, o fisiologista e bioquímico Leo Pruimboom explica que o “ombro congelado” é uma disfunção – não uma doença – uma vez que o termo diz respeito à incapacidade de uma função específica, isto é, da movimentação das articulações dos ombros.
“Acho que [o ‘ombro congelado’] deveria ser chamado de disfunção ao invés de doença. ‘Congelado’ significa que você não consegue mover o seu ombro tanto quanto deveria”, afirma ele, que é fundador do Pruimboom Institute, organização que treina médicos e paramédicos na área de psiconeuroimunologia clínica.
Tapinha no ombro
Pruimboom e seus colegas de pesquisa apelidaram a disfunção de “síndrome mágica”, uma vez que o congelamento dos ombros ocorre, por vezes, de forma repentina, mas não sem predisposições. Contudo, a condição é um estopim de diferentes fatores de “alerta” sobre a saúde do corpo humano.
Estudos recentes destacam possibilidades de relações entre a disfunção com condições psicoemocionais, qualidade do sono, diabetes, sobrepeso, problemas de tireoide e, até mesmo, inflamações a níveis celulares e moleculares.
Esses e outros fatores foram analisados a partir dos resultados obtidos em ambas as pesquisas mencionadas. No estudo publicado no Journal Clinical Medicine, 34 voluntários foram divididos em dois grupos iguais: um dos grupos recebeu tratamento fisioterapêutico tradicional, enquanto o outro evitou a exposição à luz artificial de noite e reduziu no período noturno o consumo de café, chá e chocolate.
Após seis semanas, o grupo que mudou seus hábitos noturnos apresentou melhora do metabolismo e da qualidade do sono, além de alívio da dor e ganho na amplitude de movimento do ombro. Para Pruimboom, esses resultados ajudarão a ciência a descobrir mais detalhes sobre o “ombro congelado”, sobretudo quanto à conexão do problema com os distúrbios metabólicos.
Já no estudo da BMC Musculoskeletal Disorders, os pesquisadores analisaram 7.499 pacientes com “ombro congelado” em uma ampla revisão sistemática e metanálise. Os indivíduos apresentaram glicemia média elevada, além de colesterol total elevado. Curiosamente, a pesquisa descartou uma associação clara com hipotireoidismo, frequentemente apontado como fator de risco.
Entre os principais avanços das pesquisas, o pesquisador indica o impacto da leptina, hormônio produzido pelas células de gordura (adipócitos) e que atua no metabolismo energético. O composto foi utilizado como um dos principais biomarcadores das pesquisas e, para ele, mostrou-se como a principal métrica para que as análises dessem continuidade. “Gradualmente, começamos a entender como o tecido adiposo [principalmente a leptina] afeta uma quantidade enorme de mecanismos do corpo humano”.
Riscos e causas associadas
Apesar das verdadeiras causas do “ombro congelado” ainda não terem sido desvendadas pela ciência, a disfunção possui diferentes fatores de riscos. Pruimboom destaca que o problema não deve ser analisado de forma isolada:
“Não separe o ombro do restante do corpo humano. Você vê que isso [o ‘ombro congelado’] está associado a fatores mentais, imunológicos, metabólicos e endócrinos. É uma disfunção que reflete um enorme problema sistêmico”, afirma o médico.
A frequência da manifestação do “ombro congelado” aumenta com o avanço da idade, sugerindo uma possível relação com as alterações degenerativas e metabólicas associadas ao envelhecimento
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Não é coincidência que o ombro afetado normalmente seja o ombro do braço não dominante. Se você for destro e não utilizar muito o outro braço – e, sobretudo, o ombro –, o congelamento poderá ocorrer no lado esquerdo. Tanto que a falta de movimento é um dos principais fatores de risco apontados pelos pesquisadores.
Segundo Pruimboom, se uma parte do corpo não é usada, ela tende a ser negligenciada pelo cérebro. Se negligenciada pela falta de movimentos, o sistema imunológico detecta a região e a ataca. “Esse ataque faz com que você desenvolva uma inflamação chamada ‘inflamação fantasma’ ”, observa.
Dentre todos os animais, os seres humanos são os únicos seres vivos capazes de sofrerem com o “ombro congelado”, já que possuem os ombros considerados “esquisitos’ quando comparados aos de outros seres vivos
Paul John Myburgh
Outro fator é a ansiedade. O transtorno leva os pacientes a um quadro de atenção extrema, que pode levar à alteração das atividades do sistema imunológico e, como consequência, ao desequilíbrio de outros fatores do corpo humano, como os processos metabólicos. As mudanças causadas pela ansiedade podem ocorrer também em diferentes fases: a dolorosa (o “congelamento do ombro” propriamente dito), a rígida (congelamento) e a de resolução (descongelamento).
Há tratamento?
Após analisarem os resultados, Pruimboom e demais pesquisadores concluíram que o tripé sono, metabolismo e inflamação é fundamental para se compreender melhor a disfunção do “ombro congelado”. Mas, quanto ao tratamento, os estudos demonstraram que há uma necessidade de se implementar alternativas que coloquem os pacientes como protagonistas do próprio cuidado.
“Para ser bem honesto, todas essas intervenções clássicas [como medicamentos anti-inflamatórios e exercício de amplitude de movimento] não funcionam porque, se você comparar essas intervenções com ‘não fazer nada’, talvez o paciente tenha [somente] um pouco mais de qualidade de vida”, avalia o especialista.
A disfunção de “ombros congelados” compartilha características com outras condições neuromusculoesqueléticas, como a Síndrome de Parsonage-Turner, também conhecida como amiotrofia nevrálgica
Ricardo Barreto Monteiro dos Santos
Além disso, a cura para o “ombro congelado” ainda não é uma realidade. De acordo com Pruimboom, a maioria dos pacientes pode apresentar problemas ao longo da vida, seja pelas dores físicas ou pelas consequências sociais, econômicas e psicológicas decorrentes da “pausa forçada” que a disfunção traz.
Essas descobertas ressaltam a necessidade de se realizarem mais pesquisas que avaliem os resultados no organismo humano após o tratamento.
De todo o nosso corpo, os ombros são a área com a maior amplitude de movimento e os seres humanos são exclusivos no mundo primata por essa condição
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