Karine Teles tinha 17 anos quando deixou Maceió para retornar sozinha ao seu estado natal, o Rio de Janeiro, e mergulhar no sonho de ser atriz. A adolescente nascida em Petrópolis, que deu os primeiros passos no teatro aos 14, não tinha condições financeiras para viver da arte. Foi preciso, como tantos atores, ter profissões paralelas, como dar aulas de inglês. “Sou de família classe média baixa, meus pais trabalhavam muito para conseguir o mínimo pra gente”.
Foi uma situação de assédio moral em um desses trabalhos paralelos, tal como viveu sua personagem Aldeíde na novela das nove Vale Tudo, que a fez dar um basta — já após os 30. “Ele me tratou de um jeito que foi o limite, e eu pedi demissão — não de maneira tão antológica quanto a Aldeíde, mas foi muito bom também”, lembra ela, hoje com 47.
A personagem interpretada na versão original por Lília Cabral é, até aqui, a mais popular das novelas que Karine já fez. Sua Aldeíde — divertida, sem medo de querer o amor e com um estilo monocromático de se vestir — caiu nas graças do público e também ajudou a atriz a se libertar de “escudos”. “Ao longo dos anos, eu construí uma casca de proteção, um invólucro de segurança e de independência que é muito bom por um lado, mas que me prejudica em outros”, reflete. “E estou com muita vontade de viver um amor, é um lado da minha vida que está negligenciado há um tempo e talvez eu esteja pronta.”
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Tal qual Aldeíde, Karine já viveu amores com diferenças de idade, para mais e para menos. “Acho que é enraizado num lugar da nossa sociedade em que o desejo e o tesão da mulher ainda é uma coisa não normalizada”, avalia. “É óbvio que a gente tem desejo.”
Mãe dos gêmeos Francisco e Arthur, de 14 anos, frutos do seu antigo casamento com o diretor Gustavo Pizzi, ela conversa com a Vogue sobre maternidade e os desafios de educar meninos. Reflete ainda sobre a beleza, que avalia ser superestimada. “A coisa ser interessante é mais valioso do que ela ser bonita. É uma loucura ter clínica de botox em shopping center”, avalia. “A gente precisa poder ser feio, poder chorar, ter cara de raiva.”
Hoje, 30 anos após ter deixado Maceió, a atriz e escritora está prestes a ser vista em novos projetos. Lança, em outubro, os filmes Salve Rosa, no qual dá vida à mãe de uma estrela da internet; e Ciclone, onde vive uma prostituta que sonha ser atriz. “Meu plano é chegar nos 50 tinindo, no auge do meu bem-estar físico.”
A seguir, veja o bate-papo completo com Karine Telles.
Vogue Brasil: A Aldeíde é um grande sucesso em Vale Tudo. Quais têm sido os desafios e os prazeres de interpretá-la?
Karine Telles: Vale Tudo é uma novela que eu tinha memória e eu lembrava muito da Aldeíde. O trabalho da Lília (Cabral) na primeira versão é muito marcante. É uma personagem muito carismática e que tem espaço para brincar, para testar coisas, porque ela transita em vários ambientes, tem relações muito distintas. Ela é complexa nesse sentido. E dei sorte de ter caído nesse núcleo com colegas muito maravilhosos, fáceis de conviver e de trabalhar, como Matheus (Nachtergaele) e Taís (Araújo), que são meus parceiros mais frequentes. Estou me divertindo muito.
A história dela está um pouco diferente do que era na versão original. Cada bloco de capítulo que chega, eu vou correndo ler para ver o que vai acontecer. O romance que ela tinha com o André (Breno Ferreira) na primeira versão era tenso, mas era um pouco menos porque ele era sobrinho da Consuelo (Belize pombal). Agora, ele é filho, e acho que isso dá um peso diferente a esse relacionamento. Estou interessada em ver como isso vai se desenvolver e estou curiosa também.
O que faz com que a personagem caia nas graças do público?
Eu acho que ela é uma personagem que tem uma vida com a qual muitas pessoas se identificam: de batalhar, ter que correr atrás do próprio sustento, ter que lidar com abuso de chefe. Ao mesmo tempo, ela é um pouco fofoqueira, é engraçada, meio sem filtro, fala umas coisas que não devia falar. Esse tom de comédia as pessoas ficam mais à vontade para acessar. Mas confesso que eu não penso em como ela vai ser recebida quando estou fazendo a personagem, eu penso em como dar a vida da melhor maneira que eu consiga e curtir o fazer. Gosto de estudar e catar referências, aí o resultado é sempre imprevisível. Fico feliz e grata de a personagem estar recebendo tanto carinho assim.
E onde busca as referências?
Em muita coisa. Para a Aldeíde especialmente, eu recebi o convite em maio do ano passado, tive que guardar segredo por meses. Eu assisti muita comédia e “dramédia”, que são comédias do cotidiano. A atriz e jornalista inglesa Amelia Dimoldenberg foi uma referência grande. Ela é essa figura que chama entrevistados para um date numa rede de fast food de frango e está sempre meio flertando, tem uma autoestima bem trabalhada, mas, ao mesmo tempo, nunca consegue, sabe? Vi muito a Sandra Bullock também, que tem esse lugar da figura romântica meio atrapalhada.
Como a Aldeíde, você já passou por alguma situação de assédio moral ou de abuso em ambiente de trabalho?
Já, algumas vezes. Eu tive um chefe específico com quem a relação era bem difícil, e eu entrei numa de ser ultra eficiente. Nesse aspecto, posso dizer que eu fui mais Consuelo do que Aldeíde. Até que ele me tratou de um jeito que foi o limite, e eu pedi demissão – não de maneira tão antológica quanto a Aldeide, mas foi muito bom também. Foi meu último trabalho paralelo. Eu tive profissões paralelas ao meu trabalho de atriz a vida inteira. No mesmo ano em que eu estreei no teatro, comecei a dar aula de inglês. Minha família nunca teve condições de me bancar, sempre tive que correr atrás. Eu trabalho desde os 14 anos e já tinha mais de 30 quando dei esse basta e fui viver só como atriz. Hoje consigo me manter, não de maneira totalmente satisfatória ainda, mas consigo viver do meu trabalho de atriz.
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Você saiu de casa aos 17 anos e foi sozinha para o Rio para ser atriz. O que ainda mantém daquela menina?
A paixão pelo ofício. De verdade, eu realmente gosto muito do que eu faço e isso é uma parte muito importante da minha vida. Trabalhando, eu sou essa menina de 17 anos que saiu de casa sem medo para correr atrás de uma coisa que ela queria fazer de verdade. A gente amadurece, vai tendo experiências, vai vivendo. Tem a família que eu construí aqui no Rio. E tem coisas que eu estou entendendo a respeito da vida e de mim só agora, e estou feliz por estar aprendendo.
Karine Teles
Márcio Farias/ Divulgação
Em qual sentido?
Estou vivendo um momento de muita transformação, duro, difícil, sofrido, mas importante. Acho que é um momento bom. Estou longe de casa há muito tempo e numa profissão que não é fácil, em que a gente não tem segurança nenhuma. Ao longo desses anos, eu construí uma casca de proteção, um invólucro de segurança e de independência que é muito bom por um lado, mas que me prejudica em outros. Enquanto está vivo, a gente está mudando, se entendendo. Mas eu acho que a menina de 17 anos está aqui ainda.
Acredita que está no seu momento mais consolidado profissionalmente?
Acho que não. Meu caminho é de passo a passo, sabe? Tem muita coisa ainda que eu tenho vontade de fazer. Pensar em consolidação é uma coisa dura, como se você atingisse um objetivo e chegasse em algum lugar. O movimento é o que me interessa mais, não me sinto tendo alcançado nada. Desejo me manter sempre com esse tesão de descobrir coisas novas e navegar por mares desconhecidos. Os desafios mantêm a gente ativo. Espero não me sentir consolidada nunca.
Você é mãe de dois meninos, que estão hoje com 14 anos. Qual é o maior desafio da maternidade nessa fase?
Para mim, é essa transição entre a infância e a vida adulta. Tem um equilíbrio entre a presença, porque é importante os pais estarem disponíveis para os sofrimentos, dúvidas e angústias, mas também saber dar o espaço. Acho uma responsabilidade grande educar dois meninos nesse momento em que questões da masculinidade e do patriarcado estão muito à tona. Eles se interessam e a gente conversa sobre isso. Acho uma fase muito bonita da vida, fico muito emocionada de ver eles crescendo, se descobrindo e se entendendo.
E eles estão na idade na qual você começou no teatro…
É muito louco ver a diferença de vida. Eu converso muito com eles sobre isso também, sobre os privilégios. E como é difícil ensinar uma pessoa a dar valor a uma coisa que ela tem, que ela não precisou correr atrás, né? Eu sou de família classe média baixa, meu pai e minha mãe trabalhavam muito para conseguir o mínimo para a gente. Eu cresci num conjunto habitacional em Petrópolis, minha mãe e meu pai trabalhando com a educação no Brasil, que não é valorizada em nenhum aspecto, muito menos nos salários. Eles estimulavam a gente a estudar, deram o melhor que eles podiam, do que eles conheciam de cultura também. Mas os meus filhos vão ao cinema, ao teatro, têm acesso à literatura, discussões interessantes, estudam numa escola que tem uma pegada construtivista. Têm um privilégio que eu não tive e converso muito com eles a respeito disso. Acho importante entenderem que ser privilegiado num país socialmente desigual é uma responsabilidade.
Vi uma publicação no seu Instagram na qual você fala que a beleza é superestimada. Pode contar um pouco sobre sua linha de pensamento?
Eu acho que a beleza, em geral — não só nas pessoas, mas nas coisas, nos filmes, nos livros, nas músicas —, vira uma qualidade. Tem um valor exagerado. A beleza não é a melhor coisa a respeito de nada. A coisa ser interessante é mais valioso do que ela ser bonita. Inclusive, a beleza, às vezes, eu acho chata. É uma loucura ter clínica de botox em shopping center. O objetivo desses procedimentos estéticos é paralisar em um tipo de expressão que se considera bonito, e aí a pessoa está o tempo inteiro sendo bonita. A gente precisa poder ser feio, poder chorar, ter cara de raiva. Essa busca pela beleza acaba prejudicando outras coisas que podem ser maravilhosas também.
Karine Teles
Márcio Farias/ Divulgação
Como é sua relação com sua beleza?
Como atriz, eu sinto que é uma relação complexa. Eu também sou vaidosa, óbvio, também quero estar bonita. Claro, a gente quer ser elogiada, desejada. Mas, ao mesmo tempo, eu considero importante me manter maleável, quero poder ficar feia no trabalho ou na vida também. Às vezes, eu me sinto mal. Falo que não sou bonita, “minha barriga isso, meu peito aquilo”. Eu também passo por esses incômodos, é uma luta entre o meu racional e o meu instinto. Às vezes, você vê pessoas que alcançaram grandes coisas simplesmente porque são bonitas. A única coisa que ela tem é isso, e isso leva ela bem longe. Por isso que eu acho que a beleza é superestimada.
O que você diria que é a coisa mais bela em você?
Eu acho que a minha beleza é a minha vulnerabilidade. Como atriz, eu me coloco de maneira vulnerável, eu entro para o jogo de peito aberto para receber o que vem do outro, para lidar com aquilo, e estou tentando levar isso para minha vida também. Na minha vida, não sou tão vulnerável, eu sou mais armada, mais protegida. Quando eu consigo essa vulnerabilidade na minha vida, eu acho bonito.
Voltando um pouquinho a falar sobre a Aldeíde, ela tem um estilo de se vestir um tanto peculiar, monocromática. Como é sua relação com a moda?
Eu gosto de moda. O jeito que nos vestimos pode falar muito sobre a gente. Já tive um estilo mais ousado, durante muito tempo eu fiz as minhas próprias roupas, usava umas coisas muito doidas. Fui virando uma pessoa mais básica e agora eu estou voltando a me divertir, a ser mais corajosa. Eu acho o máximo a Aldeíde, ela se veste daquele jeito porque gosta e não está preocupada se está agradando alguém. Ela realmente não está nem aí. Isso também é uma das coisas que faz as pessoas gostarem dela, essa personalidade sem vergonha, no bom sentido.
E ela está se relacionando com o André (Breno Ferreira), personagem alguns anos mais jovem. Como o público tem recebido?
Acho que as pessoas curtiram, mas eu tenho certeza de que virão comentários preconceituosos e desagradáveis. Uma mulher mais velha com um cara mais novo é mais polêmico, não é tão tranquilamente normalizado. O Laudelino (Herson Capri) era bem mais velho do que ela e ninguém falou sobre isso. Não era um assunto. Mas, no caso do André, já começou: “Ah, vai pegar o novinho”. Acho que é enraizado num lugar da nossa sociedade em que o desejo e o tesão da mulher ainda é uma coisa não normalizada. É óbvio que a gente tem desejo, mas falar sobre o desejo feminino ainda é um tabu enorme, as pessoas têm muita dificuldade de lidar com isso.
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Na primeira versão de Vale Tudo eles ficaram juntos. Você tem alguma torcida?
Ah, eu torço para que eles sejam felizes. Se esse amor for realmente trazer felicidade para eles, torço para que fiquem juntos, sim. Torço pelo bem dos dois. É uma trajetória bonita da Aldeíde, né? A gente está vendo ela amadurecer afetivamente. Até por isso eu acho bonita a relação dela com André, que também está amadurecendo afetivamente nesse momento. E o Breno é um ator sensacional, superdedicado ao trabalho dele. Estamos muito a fim de construir essa história de uma maneira bonita e honesta. São dois adultos apaixonados um pelo outro e nada mais deveria importar.
Você já viveu um relacionamento com alguém com grande diferença de idade da sua?
Já tive as duas experiências. Já namorei pessoas bem mais velhas do que eu e também já me relacionei com pessoas bem mais jovens, e era chato nesse sentido, os comentários eram bem desagradáveis. Claro que não foi isso que fez com que o relacionamento não seguisse adiante, mas era sempre um questionamento: “Nossa, mas você, uma mulher, está a fim desse moleque?” E eu falava: “Sim, qual é o problema? A gente se entende, se dá bem, a gente se gosta e tem uma conexão”. A idade tem uma coisa da experiência de vida, que às vezes pode pesar. Eu já vivi mais, eu fui casada, tive filhos, tenho uma experiência de vida diferente de alguém muito mais novo do que eu, que não passou por isso ainda. Mas, se os desejos estiverem alinhados, eu não vejo nenhum problema nem em estar com uma pessoa muito mais velha ou estar com uma pessoa muito mais nova. O que interessa mesmo é a parceria, a conexão e, principalmente, a vontade de estar com aquela pessoa.
Quais são os seus sonhos?
Tem muita coisa que eu quero fazer ainda profissionalmente. Eu dirigi dois curtas-metragens e tem um roteiro de um longa que escrevi e estou trabalhando para conseguir a grana para filmar. Tem muitas diretoras e diretores com quem eu tenho vontade de trabalhar ainda, tipos de filme que eu não fiz…
E pessoalmente?
Espero continuar cuidando da saúde. Tem poucos anos que eu realmente consigo manter uma rotina de cuidado com a minha saúde real, de comer bem, me exercitar. Meu plano é chegar nos 50 tinindo, no auge do meu bem-estar físico. E estou com muita vontade de viver um amor, é um lado da minha vida que está negligenciado há um tempo e talvez eu esteja pronta.
Isso pode ter vindo com a Aldeide?
Acho que é um processo. Já fiz vários tipos de terapia, agora estou mais voltada para a análise. Eu acho que é uma combinação de uma série de coisas: meus filhos estarem mais velhos, eu entender coisas a meu respeito nesse processo de análise e, óbvio, toda personagem que eu faço me ensina alguma coisa. E isso da Aldeíde, de querer amar e ser amada tão desavergonhadamente, realmente está me ensinando um pouquinho a respeito disso também.
Quais são seus próximos projetos?
Tem o filme Salve Rosa, que estreia no dia 23 de outubro, é um thriller psicológico, um tipo de cinema que eu adoro assistir e que não tinha feito ainda. Ele tem uma discussão interessante, fala dessa relação da mãe e da filha, que é uma estrela da internet. Além desse, estreia também em outubro Ciclone, da Flávia Castro, um filme lindo que se passa nos anos 20 e conta a história de uma escritora que está tentando viver do seu trabalho numa sociedade extremamente machista e preconceituosa. Eu faço uma uma prostituta que quer ser atriz, mas não tem talento nenhum. São dois filmes totalmente diferentes e eu acho o maior barato. Me interessa muito essa construção de figuras únicas e diferentes entre si.
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