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Empresa antirracista: cinco pontos essenciais para ter uma organização ética


A agenda de diversidade nos provoca a sair da zona de conforto, a rever critérios e a enxergar o que muitas vezes preferiríamos não ver. Mas quem disse que evoluir é confortável? Evoluir exige coragem. E o antirracismo é justamente isso: coragem organizacional para rever processos de exclusão, reparar desigualdades históricas e garantir que pessoas negras estejam em todos os níveis de decisão. É sobre ética, coerência e estratégia.
Ser uma empresa antirracista é reconhecer que o racismo estrutura nossas relações no mundo do trabalho. E isso significa ter coragem institucional para olhar para dentro, revisar práticas, se comprometer com metas concretas de equidade e assumir a responsabilidade por reparar desigualdades.
Esse é também o convite que faço no meu livro O Manual da Empresa Antirracista, escrito a partir da minha trajetória como executiva e conselheira de empresas. E sendo eu uma mulher negra com mais de 25 anos de atuação em cultura organizacional, relações institucionais e operações no mercado corporativo, aprendi que o racismo não é apenas um problema social: ele atravessa as empresas, compromete carreiras e limita o desenvolvimento de milhões de pessoas pretas e pardas no Brasil. E os tantos anos de experiência que eu adquiri em cultura organizacional foram suficientes para me comprovar que, na prática, não há transformação real sem olhar para diversidade, bem-estar de colaboradores e desenvolvimento de lideranças. Não existe cultura forte se ela ignora exclusões ou normaliza desigualdades.
Reconhecer isso é o primeiro passo. Mas não é o suficiente: é um trabalho contínuo, uma prática cotidiana que exige consistência e disposição para mudar. Antirracismo é ética organizacional. Mas é também desafio: lidar com a pluralidade de ideias, experiências e mundos distintos provoca desconforto. E é nesse desconforto que a transformação acontece.

O custo invisível do racismo
Além do desafio humano, existe um custo que quase nunca aparece nos balanços financeiros, mas que corrói o futuro das empresas: o “custo-racismo”.
Ele se manifesta de várias formas: no turnover silencioso de talentos negros, que não se veem representados ou valorizados; na baixa produtividade de quem enfrenta microagressões constantes (que de micro não têm nada); no risco reputacional que explode quando a incoerência entre discurso e prática vem à tona; e no custo invisível de empresas que não entendem o seu próprio consumidor.
Ou seja: o racismo custa em clima, engajamento, inovação, marca, vendas e resultado. É um passivo invisível, mas muito real, e que mina inovação e sustentabilidade.
Quando a empresa não entende quem são seus clientes, seus colaboradores, seus consumidores e suas comunidades, ela falha na entrega. O “custo-racismo” é também o custo da desconexão com a realidade do país. E se a maioria da população brasileira é negra, como tantas empresas ainda insistem em criar produtos, campanhas e experiências a partir de um olhar branco, masculino, heteronormativo e elitizado? Essa desconexão resiste, mesmo em pleno 2025.
O livro “O Manual da Empresa Antirracista” foi escrito pela executiva Adriana Alves
Divulgação
Por isso, reuni aqui alguns passos importantes para iniciar (ou aprofundar) esse processo dentro de qualquer instituição.
1. Reconhecer o “custo-racismo”
Durante décadas, o mercado brasileiro sustentou a ilusão da meritocracia, ignorando desigualdades estruturais que limitam o avanço de profissionais negros. Pessoas pretas e pardas seguem concentradas em funções operacionais, mas raramente alcançam cargos de decisão. Esse funil não é acaso: é sistema.
Reconhecer o “custo-racismo” é reconhecer esse sistema. É admitir que o apagamento de talentos gera perdas humanas e financeiras. E é entender que, sem enfrentamento direto, nada muda. É urgente garantir que pessoas negras estejam em todos os níveis de decisão.
2. Entender que neutralidade não existe
Diante do racismo, não há neutralidade. Não se posicionar é, na prática, sustentar o status quo. O mercado, investidores e consumidores já não aceitam discursos vazios: exigem coerência entre narrativa e prática.
Ser antirracista é assumir intencionalidade. É revisar processos de recrutamento, promoção e comunicação. É fazer perguntas incômodas: quem está dentro? Quem está fora? E o que faremos para mudar essa realidade?
3. Exercitar uma liderança corajosa
Nenhuma transformação estrutural acontece sem liderança. É preciso coragem para mexer em privilégios, rever processos, patrocinar talentos negros e abrir portas onde antes havia barreiras.
Essa coragem não se resume a discursos inspiradores. Ela se traduz em prática: líderes usando seu poder e sua “caneta” para mudar prioridades, alocar recursos e assumir tais mudanças. Liderança antirracista não é delegada — é assumida.
4. Medir para transformar
Sem dados, não há gestão. É preciso mensurar representatividade, promoções, remuneração, rotatividade e clima organizacional. Mais do que isso: é desenhar metas reais, e acompanhar a evolução do que de fato a instituição quer alcançar.
Esses números revelam as barreiras invisíveis que seguram pessoas negras em patamares desiguais. Mais que indicadores, são bússolas: orientam estratégias, conferem transparência e diferenciam empresas que agem daquelas que apenas discursam.
5. Integrar o antirracismo à cultura e à estratégia
Ao longo da minha carreira, aprendi que falar de cultura organizacional exige coragem para encarar temas incômodos. Não adianta investir em slogans, em valores na parede ou em rituais de engajamento se, ao mesmo tempo, não há espaço para diálogo, diversidade, cuidado com o bem-estar ou desenvolvimento consciente das lideranças. Uma cultura organizacional saudável é aquela que sustenta coerência: entre o que a empresa diz, o que pratica e o que entrega para a sociedade. E o antirracismo é peça central dessa coerência. Antirracismo não pode ser projeto isolado. Precisa estar no coração da cultura, da governança e da estratégia empresarial. Precisa atravessar processos de contratação, políticas internas, cadeia de fornecedores e comunicação.
Quando isso acontece, o resultado é mais do que diversidade: é confiança, inovação e reputação fortalecida junto a clientes, talentos e investidores. Empresas coerentes são mais competitivas. E coerência se tornou um valor inegociável para o futuro dos negócios.
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O exemplo que inspira: Fenty Beauty
Um caso emblemático vem da indústria da beleza. Em 2017, Rihanna lançou a Fenty Beauty com 40 tons de base (hoje 50), atendendo uma diversidade de peles até então ignorada pelo mercado. O resultado foi imediato: em apenas 40 dias, a marca alcançou US$ 100 milhões em vendas.
Esse fenômeno ficou conhecido como “efeito Fenty”: mostrou a força de consumidores negligenciados e obrigou marcas tradicionais a reverem suas estratégias. A Fenty não comunicou diversidade; ela entregou diversidade como experiência concreta. Essa é a diferença entre discurso e prática, entre marketing e responsabilidade.
Um chamado ao diálogo e à ação
Ser uma empresa antirracista não é sobre ações pontuais, mas sobre compromisso profundo com a história, com a coerência e com a sustentabilidade. E essa responsabilidade está, sobretudo, nas mãos de quem ocupa posições de decisão — de quem está com a caneta na mão.
Este é um convite ao diálogo. Precisamos de aliados que não apenas observem de longe, mas que se envolvam ativamente nessa transformação. O racismo compromete o desenvolvimento de uma parcela enorme do Brasil. Enfrentá-lo é investir em inovação, reputação e no futuro dos negócios.
A pergunta que fica é: a sua empresa está pronta para liderar essa transformação?