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Daiana Garbin: “Por meio da dor, a vida me levou para os caminhos que escolhi trabalhar”


Frequentemente, quando está pelos corredores do Graacc para acompanhar a filha, Lua, de 4 anos, diagnosticada com retinoblastoma (câncer da retina que acomete crianças pequenas), Daiana Garbin se depara com famílias que descobriram a doença por meio da campanha “De Olho nos Olhinhos”. “Na última vez, em agosto, encontramos duas famílias. Uma delas tem uma menina de 1 ano e pouco, que fez a primeira sessão de quimioterapia”, conta à Vogue. “Os pais viram a campanha, acharam algo estranho e levaram ela ao médico.”
O mesmo acontece nas redes sociais de Daiana, onde é comum ver depoimentos agradecendo pela informação — que pode não apenas preservar a visão, mas salvar vidas. Isso, segundo a jornalista, é o combustível para ela e o marido, Tiago Leifert, seguirem a jornada de conscientização iniciada em 2022, meses após o diagnóstico de Lua. “Por isso, não podemos parar. Às vezes a gente pensa: ‘Nossa, de novo, todo ano eles vão fazer essa campanha?’ Sim, a gente precisa, porque crianças ainda estão morrendo de retinoblastoma no Brasil”, diz ela. “E é uma doença altamente curável. Se diagnosticada precocemente, tem 90% de chance de cura.”
Neste ano, em sua quarta edição, a campanha De Olho nos Olhinhos se expandiu. Serão 86 eventos pelo país — em praças, parques, shoppings e também em hospitais, reunindo a comunidade médica, no dia 13 de setembro. Além disso, Daiana e Tiago viraram personagens de animação para interagir em vídeo com Flash, o mascote da campanha, e chamar a atenção das crianças. “O meu maior sonho é que nenhuma criança morra de retinoblastoma no Brasil. É possível”, afirma.
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O trabalho da jornalista com crianças e pais também foi além. Atuando há dez anos com saúde mental, Daiana acaba de lançar o livro infantil “Muitas Belezas”, escrito com a psiquiatra Ana Clara Floresi. Publicado pela Colli Books, o livro promove autoestima, aceitação das diferenças e confiança corporal em crianças, com a meta de prevenir transtornos mentais. “Precisamos ajudar os nossos filhos a se sentirem seguros no próprio corpinho e a desvincular a autoestima apenas da aparência”, defende. “Sempre tento destacar na Lua as características dela: a generosidade, a inteligência, a coragem diante de tudo que enfrentou.”
À Vogue, a jornalista, de 43 anos, fala sobre o momento atual do seu trabalho, como ajuda a filha a construir a consciência de seu valor e reflete sobre seus aprendizados até aqui. “É curioso que foi por meio da dor que a vida me levou para esses dois caminhos que escolhi trabalhar.”
Vogue: A campanha De Olho Nos Olhinhos iniciou em 2022 e virou ONG de mesmo nome. Como foram os passos até aqui?
Daiana Garbin: Depois da campanha começaram a surgir muitas famílias que que achavam que o filho podia estar com alguma coisa errada no olho. Elas procuravam a gente pelas redes sociais e vimos que precisávamos estruturar uma forma de atendimento e de ajudar essas famílias, por isso criamos a ONG. Todos os dias a gente recebe e-mail de famílias que têm alguma suspeita e conseguimos consulta particular no oftalmologista para essa criança. No caso de ser diagnosticado um retinoblastoma, começamos todos os processos para que ela consiga chegar a um centro de referência e fazer o tratamento o mais rápido possível. A gente trabalha nessas duas frentes: a campanha de divulgação, porque é a informação que salva, e a ajuda para iniciarem o tratamento o mais rápido possível.
Qual é a mensagem principal que você espera transmitir?
Que os pais não esperem ver alguma coisa de errado no olhinho da criança para procurar um oftalmologista. A gente não tem no Brasil a educação e a cultura do cuidado com os olhos das crianças. E isso faz com que uma criança de 6, 7 anos vá a primeira vez ao oftalmologista para descobrir que desde que ela nasceu ela tinha 5, 6 graus de miopia ou algum problema nos olhos. Ela perde anos de desenvolvimento simplesmente porque não enxergava. Leve o seu filho para uma avaliação no oftalmologista, se possível no primeiro ano de vida. E peça para o pediatra olhar os olhinhos, porque isso pode fazer toda diferença. No caso de um retinoblastoma, de uma catarata congênita, de uma retinopatia, a gente pode evitar que uma criança fique cega. E no caso do câncer, salvar a vida dessa criança.
Hoje já é possível mensurar resultados?
A gente tentou com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia e eles ainda não têm dados. Os oftalmologistas dizem que aumentou a procura nos consultórios, mas campanhas de conscientização sempre são um trabalho de longo prazo, porque é uma mudança de cultura. É um trabalho de formiguinha que vai a cada ano aumentando um pouquinho. É como a vacinação, tem que bater sempre no martelo da conscientização.
Imagino ser muito gratificante encontrar pessoas que foram impactadas pelo alcance do trabalho de vocês. Tem alguma história que ficou marcada para você?
Ontem mesmo a gente estava no Graac e encontrou duas famílias que descobriram a doença por causa da nossa campanha. Uma delas tem uma menina de 1 ano e pouco que fez a primeira sessão de quimioterapia. Os pais viram a campanha, acharam alguma coisa estranha e levaram ela ao médico. Acompanhamos muitas famílias e é muito bonito perceber que, de alguma forma, o nosso trabalho fez com que essa criança tivesse acesso ao tratamento. Mas a gente também recebe muitas notícias tristes, no mês passado soubemos que duas crianças infelizmente faleceram. Por isso não podemos parar. Às vezes a gente pensa: “Nossa, mas de novo, todo ano eles vão fazer essa campanha?” Sim, a gente precisa fazer todos os anos, porque crianças ainda estão morrendo de retinoblastoma no nosso país. E é uma doença altamente curável. Se diagnosticada precocemente, tem 90% de chance de cura. Existe tratamento pelo SUS e não tem fila de espera, só que essa criança precisa chegar no centro de referência do tratamento. Se ela ficar passando de médico em médico, demorando 6 meses ou um ano para ter o diagnóstico, a chance de perder é muito grande. Retinoblastoma é uma doença traiçoeira. A nossa luta é pelo diagnóstico precoce e começar o tratamento o mais rápido possível.
Quando você encontra alguma das famílias ajudadas pela campanha, qual é o sentimento?
É muito emocionante. Acredito que somos nós que damos significado para o que acontece na nossa vida. E o que a gente escolheu fazer com a doença da nossa filha? Transformar em ajuda às próximas famílias. A sensação de felicidade e de gratidão por poder ver que uma criança está em tratamento e vai preservar a visão e a vida dela é o que dá significado para o nosso trabalho. Ficamos muito emocionados, vemos que estamos no caminho certo, e a gente quer fazer esse trabalho por muitos e muitos anos.
Daiana Garbin e Tiago Leifert
Divulgação
Como está a Lua hoje?
Está ótima, sapeca, indo na escola… Mas seguimos em acompanhamento, a luta não acabou. A chance de recidiva é muito grande enquanto a criança é pequena, até os 5 ou 6 anos existe uma chance aumentada porque as células estão em desenvolvimento acelerado. Nesse momento a Lua está muito bem. Como ela teve nos dois olhos, vamos fazer um acompanhamento rigoroso ainda por alguns anos.
Você lançou em agosto o livro infantil Muitas Belezas, com a psiquiatra Ana Clara Floresi. Como surgiu essa ideia?
Eu trabalho há quase 10 anos com saúde mental, no meu canal no YouTube e com meus livros “Fazendo as pazes com o corpo” e “A vida perfeita não existe”. Desde que comecei, tive uma preocupação muito grande de quando as crianças começam a adoecer com a imagem corporal e com a alimentação. Profissionais de saúde sempre alertam que a construção da nossa imagem corporal e da nossa autoestima começa na infância. É muito importante que a gente possa ajudar as nossas crianças a desenvolverem autoestima, o amor próprio, a valorização das diferenças desde os primeiros anos de vida. Com dois, com três, assim que a criança começa a entender que ela tem um corpinho e que os outros são diferentes, começa a construção. Por isso é importante conversar e levar referências sobre diversidade.
Ana Clara Floresi e Daiana Garbin
@andreia_tarelow_retratos
Como tudo isso é abordado no livro?
A gente trouxe um grupo de cachorrinhas e cada uma delas tem uma característica completamente diferente. De características físicas: pelo escuro, pelo claro, crespo, liso, uma alta, uma baixa, uma grande, uma pequena, uma gordinha, uma magrinha, usando as características de cada raça de cachorro. Mas mais do que isso, nós temos uma que é cega, uma que usa óculos, uma que usa cadeira de rodas, surda, e a gente tentou trazer características de personalidade. Então uma é tímida, uma é extrovertida, uma gosta de cantar, a outra não gosta muito de falar. A gente tentou trazer o máximo possível de elementos para, de uma forma lúdica, ensinar para as crianças que nós somos diferentes física e emocionalmente, e que essas diferenças nos tornam únicos, que podemos valorizar e amar as nossas características e valorizar e respeitar as do amiguinho. Porque a gente fala de amor ao corpo e de aceitação da imagem corporal, mas a gente não está falando só de beleza e de aparência.
E como mãe, como você trabalha essa questão da construção da autoimagem e autoestima com sua filha?
Procuro ensinar, por meio de brincadeiras e conversas, o que a gente chama de confiança corporal, de respeito e amor ao próprio corpinho. Precisamos ajudar os nossos filhos a se sentirem seguros e confortáveis no próprio corpinho. A gente tem que desvincular a relação da autoestima só com a aparência. A autoestima não é você se achar bonito ou feio, mas a apreciação que você tem como ser humano. Sempre tento destacar na Lua as características dela, a generosidade, a inteligência, a coragem diante de tudo que ela enfrentou. Ensinar a criança as características da personalidade dela, que a gente pode valorizar, vai enriquecendo essa criança, construindo a autoconfiança. Uma criança que cresce entendendo que ela é inteligente, é capaz, que respeita os outros, ela tem mais possibilidade de lidar com as situações difíceis que vão começar a aparecer na adolescência. É desvincular um pouco a ideia do ‘você é linda’. Isso não basta, a gente precisa que essa criança possa construir a sua identidade, inclusive com a aceitação das limitações.
Daiana Garbin e Tiago Leifert com Lua, em foto de 2022
Reprodução/Instagram
Você teve isso?
Em geral, a gente não teve isso, né? Somos analfabetos emocionais. A gente não estudava emoções na escola, hoje em dia as escolas já tratam a educação emocional. Com o livrinho, a gente quis contribuir de alguma forma para ajudar com a educação emocional das nossas crianças e conversar com os pais também. Não existia essas conversas nas nossas famílias, né? Nossos pais e avós também não foram ensinados sobre isso. Mas podemos fazer diferente para as próximas gerações.
E hoje, aos 43 anos, você sente que encontrou esse lugar de estar feliz consigo?
Sim. Estou em um momento de muita felicidade, porque encontrei um caminho de vida que me coloca nas duas missões que eu escolhi para mim: o diagnóstico precoce do retinoblastoma e a saúde mental das meninas, adolescentes e mulheres. E é curioso que foi por meio da dor que a vida me levou para esses dois caminhos que eu escolhi trabalhar, estudar e vivenciar pela minha felicidade, da minha filha e das pessoas que eu puder tocar o coração. Estou me especializando agora em gerenciamento emocional, em uma pós-graduação no Einstein em Cultivating Emotional Balance, quero ser instrutora de gerenciamento emocional porque eu sei como isso transformou a minha vida. E eu sei como aprender a lidar com as nossas emoções muda a forma com que a gente reage ao que acontece.
Daiana Garbin
Danilo Borges / Divulgação
Como isso se deu para você?
A gente não tem controle sobre a maior parte das coisas que vão acontecer na nossa vida. Vamos enfrentar lutos, doenças, tristezas, acidentes, mágoas, só que a gente não pode se transformar na dor. Precisamos, de alguma forma, gerenciar. Eu não sou o que me acontece, eu sou como eu reajo a isso. É isso que eu estou aprendendo e tento passar para as pessoas no meu trabalho. Fiz um retiro de meditação e a professora fez um trabalho muito bonito que é: o que eu quero da vida e o que eu posso contribuir. E a ideia é entender se a gente está alinhado nisso, que é a felicidade genuína. É você encontrar um caminho em que consegue realizar coisas que te fazem se sentir bem e de alguma forma levar o bem para as outras pessoas. E eu me encontrei muito.
Quais são seus sonhos daqui em diante?
O meu maior sonho é que nenhuma criança morra de retinoblastoma no nosso país. Se a gente conseguir levar essa informação e as crianças chegarem a tempo no tratamento, é possível zerar as mortes. Daqui a 10 anos, se a gente conversar, eu quero poder te dizer: conseguimos! E, claro, quero ver a minha filha crescer com saúde. Que todas as pessoas possam encontrar um caminho de paz dentro de si mesmas, porque o mundo está muito adoecido emocionalmente. A gente nunca viu números tão altos de depressão, de ansiedade… Existe dentro de cada um de nós um caminho para paz e para serenidade, e ele está na nossa mente. As pessoas precisam ser treinadas para encontrar a paz. Tento plantar minha sementinha todos os dias para contribuir com isso.
Algo mais a acrescentar?
Se couber um quarto sonho, é que as mulheres entendam que elas podem se tratar com carinho e com respeito, acolhendo as suas dores, as suas vulnerabilidades e entendendo que não precisam ser perfeitas para serem amadas e aceitas. A gente vive em um mundo que muitas vezes nos leva a um estado permanente de autoaversão, de sensação de insuficiência e inadequação, mas em geral a gente só olha para o que não tem, para o que a gente não conquistou. Isso é fruto de muito sofrimento e muita infelicidade. Então meu sonho é que as mulheres possam honrar a própria história, olhar para tudo e ter orgulho de quem você é. Porque esse é um caminho de felicidade genuína.