Esta matéria foi publicada na edição 440 da Vogue Brasil, em 2015
No fim da década de 70, comprar imediatamente um blazer desestruturado Armani era a prioridade assim que chegávamos para a temporada de desfiles em Milão. Era a garantia de que estaríamos, no mínimo, muito bem-vestidas. Como editora de moda, eu ainda tinha a sorte e o privilégio de ser recebida pelo próprio Giorgio Armani, sempre gentilíssimo, na sede da marca na Via Durini. Com sua alfaiataria inventiva e particular, Armani indicava, sem qualquer arrogância, a silhueta e os caminhos da “nova mulher”.
Carol Ribeiro veste Giorgio Armani na Vogue Brasil de abril de 2015
Zee Nunes
O sucesso foi meteórico, instantâneo. Vestidas para trabalhar, trazíamos uma disposição ancestral para seguir rumo a novos mercados e papéis femininos, em direção aos tempos yuppies dos anos 80. Isso depois das experiências (libertadoras!) do feminismo mais radical na Europa e da viagem escapista- romântica do paz e amor na era hippie.
Carol Ribeiro veste Giorgio Armani na Vogue Brasil de abril de 2015
Zee Nunes
O que assusta, no entanto, é que já se passaram 40 anos (wow!) desde então.De lá para cá, Armani construiu um império, no qual ele continua sendo o único “patrão”, coisa raríssima no mapa atual da moda global. Vamos aos fatos (e aos números): sua companhia hoje tem valor estimado em US$ 9 bilhões e, muito mais que roupas, vende um lifestyle. Além de vestuário para homens, mulheres e crianças, há uma ampla oferta de acessórios, cosméticos (a Maestro, base que está revolucionando a beleza, leva a assinatura Giorgio Armani), uma linha casa (com móveis, objetos de decoração, cama, mesa e banho), isso sem falar nos cafés e nos dois hotéis, um em Milão, outro em Dubai, uma verdadeira imersão no universo Armani, da cor dos lençóis e das paredes às amenities encontradas nos banheiros, todos de mármore com preto.
Carol Ribeiro veste Giorgio Armani na Vogue Brasil de abril de 2015
Zee Nunes
É impressionante que ele tenha crescido e se mantido independente por tanto tempo, num mundo em que grifes familiares foram sendo compradas por conglomerados, total ou parcialmente. Por isso, a primeira pergunta que tenho vontade de fazer é justamente como conseguiu permanecer sozinho. “A escolha da independência foi – e é – tão natural quanto necessária: sou um designer-empreendedor e minha visão dos negócios é inerente ao meu jeito de fazer moda. Manter essa independência hoje não é simples. É uma batalha diária, numa competição com gigantes. Mas eu não queria por um minuto que fosse de outra forma; acho essa independência bem adequada ao mundo de hoje. Para mim, representa o máximo do luxo.” A resposta impressiona ainda mais quando lembramos que ele tem 81 anos e que continua sendo um control freak, obcecado por detalhes, acompanhando cada feudo de seu império, em especial a criação das coleções – a Armani pode ser um complexo de lifestyle, mas Giorgio ama mesmo um ateliê.
Ao contrário de outros estilistas que, como ele, definiram a maneira como nos vestimos hoje, o signore Armani (como é chamado por todos, até mesmo pelos assistentes pessoais) não foi um talento precoce, daqueles que começaram desenhando roupas para bonecas na infância (Riccardo Tisci), nem daqueles que aos 19 anos já comandavam uma maison importante (Yves Saint Laurent). Giorgio nasceu em Florença, filho do meio de uma família de classe média, e queria ser médico para salvar vidas “como um herói de filme de Hollywood” – culpa da Segunda Guerra, que lotava os hospitais da região. Mudou-se para Milão para estudar, cursou três anos de medicina (dizem que vem daí seu profundo conhecimento de anatomia, um dos trunfos na hora de desenhar ternos de caimento perfeito) até largar a faculdade para se juntar ao Exército. Como era quase médico, foi trabalhar na principal enfermaria para soldados do país, em Verona, mas o ambiente hospitalar não lhe deu chances de atos heroicos, e Giorgio decidiu mudar de carreira.
Encontrou trabalho como vendedor do departamento masculino da La Rinascente, mais famosa loja de departamentos de Milão até hoje, e foi lá que aprendeu tudo sobre marketing de moda. “Era um observador. Preferia ouvir que falar.” No início dos anos 60, passou a desenhar a coleção masculina de Nino Cerruti, tradicional casa italiana especializada em lã. Descobriu que tinha talento para a coisa, e chegou a desenhar simultaneamente para dez fabricantes. Mas só teve coragem mesmo de se lançar em voo solo em 1975, após anos de insistência de seu companheiro, Sergio Galeotti, morto em decorrência de um ataque cardíaco em 1985, e a quem se atribui o impressionante sucesso comercial da Armani já em sua primeira década – em 1982, apenas sete anos após a grife ter sido fundada, Giorgio Armani tornou-se o segundo estilista na história a aparecer na capa da Time (antes dele só Christian Dior, em 1957, por conta da criação do New Look).
O New Look de Armani foi o blazer desconstruído, que libertou os homens da rigidez da alfaitaria de até então, apresentando peças mais fluidas, soltas, desestruturadas, gravadas para sempre no imaginário coletivo com o look de Richard Gere em Gigolô Americano (1980). Giorgio parece ter a noção exata de como a nova silhueta que criou redefiniu a representação do homem moderno. “Sim, os homens mudaram profundamente e acredito ter contribuído, em parte, para essa mudança. Fomos nos libertando lentamente de esquemas muito rígidos, de uma forma imposta de se vestir; descobrindo aos poucos uma certa naturalidade.”
Seu famoso terno terminou migrando também para o guarda-roupa feminino, brincando com gêneros muito antes de a androginia virar moeda corrente na moda. Graças ao signore Armani, a discrição e o dresscode que brinca com gêneros se tornaram as principais armas das consumidoras que não querem fazer um “show” de si mesmas, mas sabem que estão adequadas e seguras vestindo roupas do italiano. Fico curiosa e pergunto o que ele acha de a androginia que proclamou nos anos 80 ter virado status quo na moda só agora em 2015. “A fusão do masculino e do feminino sempre foi uma das características do meu estilo. Acho extremamente intrigante uma mulher vestindo roupas de corte masculino e também acredito que os homens podem roubar algo do guarda-roupa das mulheres, especialmente tecidos e silhuetas. Mas, como em todas as coisas, isso deve ser feito de forma ponderada.Ou seja: as mulheres têm de sugerir a ideia de androginia sem desistir de sua feminilidade. E os homens, da mesma forma, devem ser homens – e não usar roupas primariamente femininas.”
Mais que o power suit, o estilista também é o responsável pelos 50 tons de cinza da moda – ele deu às cores neutras o status necessário para que se transformassem em depoimento fashion. Na recente temporada de alta-costura, Armani fez um desfile memorável com vestidos mais formais – todos formidáveis e usáveis –, confirmando por que é o campeão de audiência entre “mulheres inteligentes” no red carpet (Cate Blanchett usa sempre, Tilda Swinton também). Na verdade, o italiano foi o primeiro estilista a perceber o potencial de marketing dos tapetes vermelhos de Hollywood, tendo vestido todo mundo que interessa, de Sophia Loren e Claudia Cardinale a Julia Roberts e Penélope Cruz. Pergunto como é fazer sucesso continuamente, mantendo-se relevante e influente ao longo de quatro décadas. “O que realizei nos últimos 40 anos me deixa extremamente orgulhoso porque acredito ter conseguido criar um lifestyle que é aplicável a diferentes áreas, inclusive fora da moda. Atribuo o sucesso a uma intuição inata combinada com um certo senso estético e mais determinação, coerência e comprometimento com o meu trabalho.”
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Sobre a discussão de que a moda não seria mais movida por tendências, Armani discorda, reforçando em seguida sua trajetória peculiar. “As tendências sempre existirão. Pessoalmente, no entanto, nunca deixei que elas me influenciassem. Ao contrário, sempre preferi criar um estilo atemporal, elegante e sofisticado, baseado em qualidade, conforto, funcionalidade e na excelência do design”, diz o estilista. Está aí a receita para se manter no topo entra ano, sai ano; entra moda, sai moda.
LINHA DO TEMPO
1975: Após trabalhar na tradicional casa italiana especializada em lã Nino Cerruti, Armani funda em Milão a própria grife.Hoje, o grupo possui oito marcas, que oferecem roupas, acessórios, joias, cosméticos e objetos de decoração. São 12 fábricas, 6.700 funcionários e 2.473 lojas distribuídas por 60 países
Aldo Fallai, Arthur Elgort, Peter Lindbergh, Reuters/Latinstock e Divulgação
1980: Seis anos após fundar a grife, o estilista lança a Emporio Armani, linha mais jovem e acessível, que, assimcomoa Giorgio, desfila na semana demoda de Milão. A marca possui hoje 271 lojas pelomundo
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1981: Armani começa sua relação como cinema como filme Gigolô Americano. Depois disso, não foram poucos os figurinos assinados pelo italiano, entre eles os dos longas Os Intocáveis (1987), Objeto do Desejo (1991) e Shaft (2000)
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1989: Inaugura o primeiro Emporio Armani Caffe, em Londres. Hoje são nove endereços, espalhados pela Europa, Ásia e pelas Américas, além de restaurantes Emporio Armani em Istambul, Tóquio e Nova York e um Armani/Nobu, em Milão
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1990: Com ótimo tino comercial, durante os anos 90, o estilista já começa a descobrir o potencial do mercado asiático e ser influenciado pela estética oriental. Para o verão 1998, arma um grande desfile em Tóquio
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1994: Inspirado por sua paixão pela estética da arqueologia, Armani lança uma coleção que celebra o handmadecomluxuosos tecidos naturais,comojacquard gauffré, empeças de cortes simples, modelagens desabadas e layering de tons de areia e cinza
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2000: O grupo cria a linha Armani Casa, com objetos de décor, tapetes e tecidos feitos à mão na Itália, que seguem absolutamente o mesmo estilo clean de suas roupas. Três anos depois, foi inaugurado o estúdio de design de interiores de mesmo nome, que executa projetos particulares de decoração. A linha hoje está presente em 40 países
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2005: Há dez anos, Armani finalmente se lançou na alta-costura, com a linha Privé. Fáceis e superfemininas, suas criações rapidamente se tornaram bestsellers em red carpets mundo afora, usadas por atrizes como Cate Blanchett, Anne Hathaway e Naomi Watts. Os modelos que desfilam em Paris são desenvolvidos nos ateliês da marca em Milão
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2010: Armani aposta no segmento hoteleiro com a inauguração de um hotel em Dubai, com 160 quartos e projeto assinado pelo próprio estilista. No ano seguinte, foi aberta uma segunda unidade, na Via Manzoni, em Milão, no coração do “Quadrilatero della Moda”
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2012: Nas Olimpíadas de Londres, o estilista assina os uniformes da equipe italiana de esportes aquáticos. Eletambémjá produziucoleçõesparaasseleções italiana e inglesa de futebol, além de clubes como Chelsea, Newcastle United e Piacenza, equipe de sua cidade natal
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2015: O verão 2015 que está nas lojas agora foi inspirado na coleção arqueológica de 1994. Estampas que lembram dunas, animal prints e dezenas de tons de areia tingem vestidos levíssimos de seda e túnicas usadas sobre calças
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2016: Oestilo genderless que desponta nesta temporada coroa o trabalho que o estilista vemfazendo desde o início de sua carreira. Ele não perdeu tempo e colocou casais vestidos iguais no desfile masculino para o inverno 2016
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