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Columbus, Ohio
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A diversidade dos asiáticos invade o eixo Rio-São Paulo


Enquanto assistimos à escalada anti-imigração nos Estados Unidos e em outros lugares do mundo, reflito sobre o que seria do Brasil sem os imigrantes. Quanto desse país foi construído pelos diferentes povos e culturas que foram chegando em ondas, ao longo dos séculos, para fincar raízes em um país distante, de dimensões continentais e clima tropical, que fala português. Seria tarefa hercúlea enumerar o tanto de contribuições inestimáveis que grupos tão diversos trouxeram para a colcha de retalhos que é esse país – e que temos orgulho de compreender como parte do que nos faz brasileiros. O que posso dizer é que me aquece o peito o fato de sabermos abraçar essa diversidade cultural, como poucos países fazem, para além da cartilha.
Abro com esse tema porque tem me saltado aos olhos uma outra escalada galopante – mas aqui, felizmente, positiva: a dos estabelecimentos de cozinha asiática que estão enriquecendo a cena gastronômica do eixo Rio-São Paulo com novas propostas. Com restaurantes e bares japoneses já estabelecidos há décadas nas duas cidades, agora é a vez de outros países da Ásia fincarem suas bandeiras no nosso apetite. E fazem isso com brilho e criatividade, apresentando uma rota de sabores que passa por Tailândia, Taiwan, Singapura, Hong Kong, Coreia, Indonésia, Índia… Um balaio que muitas vezes aproveita para reverenciar ingredientes brasileiros, nesse casamento que dá tão certo à mesa quanto fora dela.

Na coluna de hoje, elenco minhas visitas mais recentes a endereços de cozinha asiática, sejam novos ou cheios de novidades. Mas esse roteiro é diferente: ele parte de um prato de cada lugar. Pedi que os chefs indicassem a receita que melhor representa a proposta do cardápio, traduzindo as técnicas e influências em uma bocada. Para quem ainda não é familiarizado com as inúmeras possibilidades dessas culinárias, é um pequeno guia que serve como ponto de partida. Feita a iniciação, recomendo que se aventurem de olhos fechados: o trabalho que esse pessoal está fazendo é digno de investigação e muitos, muitos repetecos.
Broca (São Paulo)
Broca
Divulgação
Recomendação: guioza recheada com frango (assado inteiro), requeijão de milho verde, chilli oil de pipoca e picles de milho doce
Em seu restaurante com jeitinho de bar, instalado em uma casa dos anos 1940 no coração da Vila Madalena, o chef Cadu Evangelisti segue uma única regra: a de descomplicar a experiência à mesa – ou ser ‘deselegante’ no melhor sentido da palavra, como ele gosta de brincar. Cadu é conhecido por sua criatividade, irreverência e também pelos sabores potentes e nada tímidos que surgem em receitas livres, mesclando influências asiáticas e latino-americanas.
E o prato mais emblemático dessa proposta, segundo ele, é a guioza – um dumpling de origem chinesa que aqui ganha diversas camadas de América do Sul. “A nossa guioza é recheada com um brasileiríssimo frango com requeijão, que fazemos à base de milho verde. Para seguir com o milho, temos mais duas versões dele na receita: um tsukemono (conserva japonesa) de milho doce e um chilli oil de pipoca. Para equilibrar a untuosidade do prato, trazer umami e sabores frutados, finalizamos com ponzu de aji amarillo, que é uma pimenta peruana.” Um punch de sabor e texturas que vale a visita por si só.
Mirá Padaria Autoral (São Paulo)
Mirá Padaria Autoral
Divulgação/ Duda Gulman
Recomendação: miso negi dofu (fusão do croissant com o missoshiru)
Sim, você leu bem: uma padaria com sotaque asiático. Quem está à frente dessa empreitada genial, ao lado da empresária Julia Fraga, é o padeiro e fermentador Leonardo Akira, que trabalha as inúmeras possibilidades de fermentação com koji. “Todos os nossos outros produtos têm uma reinterpretação de técnicas de panificação francesa com ingredientes asiáticos – mais especialmente a fermentação dos nossos folhados, que é feita a partir do koji, um fungo utilizado para a produção de produtos fermentados como sakê, missô e shoyu. O miso negi dofu é uma fusão de croissant com missoshiru. Tem um formato de cinnamon roll, mas o recheio é uma pasta que mistura tofu, missô e cebolinha”, Leonardo explica. “Por aqui, tentamos honrar a tradição do Mottainai (princípio do não desperdício), fermentando aquilo que poderia ser descartado – como, por exemplo, o missô de pão que produzimos na casa, feito a partir de aparas de pão, koji, sal e tempo.”
Elena (Rio de Janeiro)
Elena
Divulgação/Tomas Rangel
Recomendação: dumplings (todos!)
Na cozinha assinada pelo chef Itamar Araujo, que estagiou em restaurantes de países como China, Tailândia e Japão, ele destaca a seção de dumplings como a que melhor simboliza o conceito da casa. O dumpling chilli crab, tradicional de Singapura, tem massa negra e recheio de siri, ovo e pimenta-doce. Mas são tantas receitas especiais, como o siu mai de pato com foie gras ou o dim sum de cogumelos, que minha dica é pedir a degustação de dumplings, que vem com seis unidades. “Hoje podemos dizer que esses bolinhos do tamanho de uma mordida e de massa delicada estão em alta. Todo mundo quer comer um bom dumpling”, diz o chef, que exige rigor da equipe na hora do preparo. Porque não é tarefa fácil – seja pela técnica apurada na hora de fazer a massa finíssima, seja pelo sabor do recheio, que carrega combinações de sabores calculadas para explodir no paladar.
Eleninha (Rio de Janeiro)
Eleninha
Divulgação/Tomas Rangel
Recomendação: bun de tempurá de camarão
Irmão descontraído do Elena, o Eleninha é um bar que serve almoço, petiscos e chope. Do cardápio, cheio de referências asiáticas e com uma boa variedade de receitinhas criativas, Itamar recomenda os buns, também típicos da culinária chinesa. “Aqui são feitos no vapor e levam pão produzido artesanalmente na casa, o que acredito que seja um grande diferencial nosso”, ele conta, indicando a versão recheada de tempurá de camarão, alface e molho especial. Pequeno primor que combina a maciez do bun à crocância da fritura leve que envolve o crustáceo.
Ping Yang (São Paulo)
Ping Yang
Divulgação
Recomendação: gaeng kiaw wan pak (curry verde com vegetais da estação)
Único tailandês na América do Sul a figurar na lista mundial do 50 Best Discovery, o restaurante é comandado por Maurício Santi, que se dedica há mais de 20 anos à cozinha desse país do sudoeste asiático. Apesar de cada prato ter um papel na construção do cardápio, o chef aponta o curry como receita mais simbólica. “Os curries são o ápice em uma refeição na Tailândia. Esse preparo tem uma história riquíssima e inúmeras possibilidades, uma complexidade que pode ser desafiadora até para os cozinheiros mais experientes”, ele observa – e revela o passo a passo meticuloso do processo.
O cozinheiro deve tostar brevemente sementes, especiarias secas e gapi (pasta de camarão fermentado) para ativar substâncias e essências; fatiar ingredientes frescos, como galanga, talo de capim santo, raiz de coentro, alho, echalote e pimentas e juntar no pilão na ordem correta; pilar vigorosamente até virar um pasta, que deve ser fina e bem macerada; fritá-la em gordura à base de coco, extraindo todos os aromas da pasta antes de adicionar leite de coco e caldo, para então cozinhar; adicionar a proteína ou os vegetais e temperar com açúcar de palmeira e nampla. Essa ‘poção mágica’ na verdade é um acompanhamento para o arroz, prato principal na mesa tailandesa. Imperdível.
Barkatu (São Paulo)
Recomendação: matambre suíno
Barkatu
Divulgação/Thays Bittar
Bar de tapas asiático? Temos! E é chefiado por um argentino, o Julian Rigo, que viveu sete anos na Espanha e está há 12 no Brasil. No idioma basco, “barkatu” significa “desculpa” – e é um pedido de licença poética para passear livremente pelas diferentes culturas na cozinha, que trabalha comidinhas do mar, com carnes e com vegetais. Mas a receita que Julian considera mais representativa do conceito é o matambre suíno. “É um corte muito comum na Espanha, que passa por uma marinada bem saborosa e aqui é servido numa pegada mais asiática, com gohan, kimchi, salada de papaya thai e kewpie de mostarda”, descreve. “Tem uma coisa meio despojada e descontraída de montar as trouxinhas e comer com a mão que é a cara do Barkatu.” E eu emendo: prove também o excelente pintxo de atum com gohan frito – dessas combinações que dão tão certo que parecem ter nascido de mãos dadas.
Aiô (São Paulo)
Recomendação: you fan (arroz glutinoso, porco, frutos do mar e cebola frita)
Aiô
Divulgação
Os chefs Caio Yokota e Victor Valadão fizeram uma grande imersão em Taiwan para criar o menu dessa casa que coleciona prêmios. Para mergulhar nas tradições do país, a indicação da dupla é que se experimente o you fan, em que o arroz glutinoso é primeiramente hidratado, para depois cozinhar no vapor. “A gente tem uma panela específica para ele e isso traz um aroma, um sabor e aquela textura conhecida por ‘chewiness’ (mastigabilidade), que caracteriza muitas coisas taiwanesas”, eles destacam. Juntam-se ao preparo a panceta braseada com shoyu, cebola roxa e echalotes, camarão seco e aparas de lula, formando um prato cheio de complexidade. É um mix de texturas que transporta a gente em uma viagem pelas referências que a dupla trouxe na mala e coloca em prática com esmero no Aiô.
Dōmo (São Paulo)
Dōmo
Divulgação
Recomendação: dumplings recheados de porco e camarão, servidos em caldo perfumado com capim santo e óleo de coentro
Neste bar que tem a música como fio condutor da experiência, o menu faz um passeio por sabores do sudeste asiático. Aqui, conforto é a palavra-chave, segundo a chef Gabriela Rodrigues. Os dumplings da casa têm uma massinha japonesa bem fina, com recheio de porco e camarão, um pouquinho de vinho chinês, chao xin, alho e gengibre, que trazem todo um perfume ao prato. Os bolinhos são cozidos e depois servidos com um caldo de frango infusionado com folha de limão café, capim-limão, raiz de coentro e cogumelo seco.
“É inspirado um pouco na sopa de wonton chinesa, mas vem todo um perfume um pouco tailandês para esse caldo. É uma brincadeira das referências que eu tenho: um pouco do tailandês com o chinês e com o japonês”, ela descreve. A mistura aromática ainda é finalizada com óleo de coentro, um pouco de amendoim e pimenta dedo de moça. E aí é só se deixar abraçar – porque, sim, é puro abraço.
Santokki (São Paulo)
Santokki
Divulgação
Recomendação: churrasquinho coreano 

Sem seguir muitas regras e tradições, o casal Julia Tricate e Gabriel Coelho homenageia a comida coreana com um menu cheio de gostosuras (entradinhas frias e quentes, sandos e até o que batizaram de “nosso miojo”. Mas se a ideia é entrar no espírito da casa para valer, vá de churrasquinho coreano, que foi a inspiração da dupla para abrir o Santokki. “Muitas vezes a gente vai no Bom Retiro para comer churrasquinho coreano. Isso virou uma coisa frequente nossa. E aí a gente pensou: por que não fazer um churrasquinho coreano do nosso jeito, com coisas que a gente gosta de comer?”, diz a Julia.
O resultado é um misto de influências que traz também um pouco de Japão e de Brasil, mas é servido à moda da Coreia: com churrasqueira na mesa e uma série de receitinhas para ir preparando e degustando. A sugestão traz dois cortes de carne bovina e um de suína, saladinha de repolho com cenoura, gohan com furikake, folhas, kimchi de acelga, okonomiaki, conserva e um vegetal, ambos do dia. E aí a coisa fica lúdica, na dinâmica de assar as carnes e montar trouxinhas como a gente bem entender, inventando combinações, comendo com as mãos e brindando à sorte de termos tantas novas fronteiras gastronômicas a explorar.
Serviço
Broca | @broca.sp
Mirá Padaria Autoral | @mira.ssp
Elena | @elenahorto
Eleninha | @eleninhahorto
Ping Yang | @pingyangsp
Barkatu | @b.a.r.k.a.t.u
Aiô | @aiorestaurante
Dōmo | @domobarsp
Santokki | @santokki.restaurante
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