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Mercado de arte encolhe no 1º semestre de 2025

Panorama internacional

O relatório Artnet Intelligence Report – Mid-Year 2025 traça um retrato de um mercado de arte mais contido, atravessado por incertezas macroeconômicas e por transformações estruturais. As vendas em leilão somaram US$ 4,7 bilhões no primeiro semestre, queda de 8,8% em relação a 2024, enquanto o preço médio por lote recuou 6,5%, atingindo o menor patamar semestral da última década. O topo do mercado, historicamente sustentado por obras acima de US$ 50 milhões, praticamente desapareceu. Nenhum lote ultrapassou essa barreira e apenas 27 peças foram arrematadas acima de US$ 10 milhões, o menor número da década.

Vendas totais de arte por categoria. Fonte: Relatório Artnet Intelligence – Meio do Ano 2025

Apesar do arrefecimento, nuances revelam novos movimentos. Obras vendidas na faixa de US$ 1 a 10 milhões cresceram 13,8%, o que indica que os colecionadores seguem ativos, mas priorizando segurança em nomes estabelecidos. Esse “miolo” de preços tornou-se um território estratégico, onde obras importantes ainda circulam sem alcançar cifras estratosféricas. Já os Velhos Mestres contrariaram expectativas com alta de 24,4%, enquanto os Impressionistas e Modernos recuaram 13,2% e o segmento Pós-guerra e Contemporânea caiu 12,7%. O contraponto veio do ultra-contemporâneo, que encolheu 31,3%, mostrando o enfraquecimento de dinâmicas especulativas.

O ponto de contato com o governo dos EUA

A retração não se explica apenas por ciclos internos. O relatório enfatiza que a política econômica dos Estados Unidos – marcada pela imprevisibilidade de tarifas e medidas comerciais da gestão Donald Trump – influencia fortemente a confiança dos agentes. Tarifas podem parecer distantes do mundo da arte, mas o impacto é direto. Custos logísticos mais altos, câmbio volátil e menos previsibilidade para consignações internacionais. Esse ambiente leva casas de leilão a reduzir garantias, colecionadores a adiar grandes aquisições e galerias a reconsiderar onde e como enviar obras.

Vendas totais de arte por país. Fonte: Relatório Artnet Intelligence – Meio do Ano 2025

O Banco Mundial reduziu suas previsões de crescimento global para 2,3% em 2025 e 2,4% em 2026, reforçando a percepção de estagnação. Dentro desse quadro, os Estados Unidos resistiram melhor. A queda foi de menos de 1%, com vendas em torno de US$ 2,2 bilhões. Já a China sofreu retração de 26%, reflexo da desaceleração econômica mais ampla e de medidas regulatórias internas. O Reino Unido caiu 24,5%, ainda pressionado pelo Brexit e por instabilidades fiscais. Em contraste, a França cresceu 4,7%, consolidando Paris como novo epicentro do mercado europeu.

Consequências práticas

Esses movimentos apontam para uma reconfiguração do sistema.

  • A logística está mais cara para galerias que operam entre continentes, com custos adicionais e prazos menos confiáveis.
  • O topo encolheu. O desaparecimento de obras acima de US$ 50 milhões reduz a visibilidade midiática e enfraquece a lógica do recorde como motor de valorização.
  • O médio-alto se consolidou. O segmento de US$ 1 a 10 milhões tornou-se o espaço mais dinâmico, com colecionadores institucionais e privados atuando de forma cautelosa, mas constante.
  • A seletividade aumentou. Hoje, procedência, histórico institucional e solidez da carreira pesam mais que modismos passageiros.

Esse contexto exige novos contratos, políticas anti-flip mais robustas e cadência mais lenta na promoção de artistas emergentes. O foco desloca-se da velocidade para a consistência.

Divulgação SP-Arte

Brasil e América Latina: riscos e oportunidades

Na América Latina, o impacto se desdobra em duas direções. De um lado, o enfraquecimento do ultra-contemporâneo indica que artistas jovens precisam apostar em currículos institucionais, acervos públicos e parcerias críticas como ferramentas de consolidação. De outro, a ascensão de Paris como hub global cria oportunidades para artistas latino-americanos reposicionarem suas narrativas em diálogo transatlântico.

Feiras como SP-Arte Rotas e ArtRio surgem fortalecidas, pois oferecem custos mais acessíveis e operam em uma faixa de preço compatível com a seletividade atual dos colecionadores. Essas plataformas tornam-se laboratórios de visibilidade internacional e locais de testagem de estratégias de médio prazo. Museus e instituições latino-americanas, por sua vez, podem se inspirar em debates globais sobre compartilhamento e circulação de acervos (troca ou empréstimo de obras entre instituições, ampliando acesso sem a necessidade de novas aquisições) como alternativa à dependência de patrocínios privados cada vez mais restritivos.

Ajustes de modelo

O relatório também aponta que fechamentos e reestruturações de galerias são cada vez mais frequentes, sinalizando o peso de overheads altos (custos fixos de operação, como aluguel e equipe) e de colecionadores mais cautelosos. Isso abre espaço para modelos nômades, sazonais e colaborativos, tendência que já encontra eco em iniciativas independentes no Brasil. Esses modelos permitem diluir riscos, alcançar públicos novos e testar formatos fora do eixo tradicional de feiras e galerias fixas.

No plano simbólico, a valorização de Velhos Mestres pode ser lida como busca por lastros históricos em um momento de instabilidade. Essa guinada coloca em pauta uma questão importante. Como artistas vivos e contemporâneos podem se inserir nesse desejo por solidez? A resposta parece estar na construção de narrativas de longo arco, sustentadas por curadorias consistentes e inserções em museus de prestígio.

Denis Gardarin e Sean Kelly, com uma pintura de Kehinde Wiley, na Miami Basel em 2010. Fotografia de Andy Freeberg

Um mercado mais contido

Se 2021 e 2022 foram marcados por euforia especulativa, 2025 apresenta-se como um ano de transição. O colecionador global adota uma postura mais pragmática, priorizando obras com legitimidade histórica ou institucional. Artistas e galerias, por sua vez, precisam ajustar expectativas, rever estratégias comerciais e encarar a instabilidade política e econômica como parte do jogo.

O Brasil e a América Latina não são exceções. A seletividade global atravessa o continente, mas também abre brechas para protagonismos regionais. Ao alinhar práticas locais às demandas de consistência e rigor, o circuito pode não apenas resistir, mas ganhar espaço em um mercado que busca novos centros de gravidade.

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