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Três gerações, uma paixão: a família Yunes e sua coleção de arte incomparável


“Essas obras contam a história da minha vida. São pontas que foram se amarrando e criando uma coleção. O que menos importa aqui é o que está na parede. O mais importante é o que está por trás, os vínculos que você vai criando”, reflete Beatriz Yunes Guarita, enquanto me apresenta alguns destaques da sua vibrante coleção de arte, espalhada por todos os ambientes da generosa casa em que vive, desde a infância, no Jardim América, em São Paulo.
“Esse Bill Viola, por exemplo, eu vi pela primeira vez em Londres, há uns 20 anos, e aguardei ansiosamente até que aparecesse, muitos anos depois, em um leilão da Sotheby’s”, compartilha a mecenas paulistana, apontando para o díptico em vídeo Ablutions (2005), de autoria do norte-americano pioneiro da videoarte, destaque do hall de entrada, ao lado da escultura (de quase três metros de altura) A Dança do Tempo, do carioca Ernesto Neto, disposta diante da sinuosa escada de mármore da residência, de frente para Doublement (1969), do suíço (e expoente do concretismo) Max Bill, outro highlight do ambiente. “Gosto de obras que propõem uma conversa. Acho que arte é muito menos sobre uma pergunta, é mais sobre um diálogo em curso.”
Ivani veste capa, camisa, calça e sapatos tudo GUCCI
Vogue Brasil/ Ruy Teixeira
Atualmente dona de mais de 4.000 obras, e primeira colecionadora latino-americana a fazer, desde 2014, parte do conselho de administração do Centre Pompidou, em Paris, Beatriz destaca que o seu propósito não é exibir ostensivamente seu farto acervo, digno dos mais prestigiosos museus do mundo. Famosa por receber (e muito bem) em eventos para lá de animados e badalados – só na semana de abertura da Bienal de São Paulo, no começo deste setembro, Bia deve comandar quatro eventos em sua casa: um em torno de Rachida Dati, ministra da Cultura da França; outro para Bridget Finn, diretora da Art Basel Miami Beach; mais um para a Pinacoteca (museu do qual é patrona) e, ainda, um brunch para Laurent Le Bon, presidente do Pompidou (que vai abrir filial no Paraná prevista para 2027) – ela conta que nada disso faria sentido sem a presença da família e amigos. “Partilhar, dividir, é aprender junto. Adoro receber e sentir a resposta das pessoas”, comenta. “Cada vez que vem alguém aqui, e fala sobre uma das minhas obras, aquela peça vai se renovando, vai criando novas formas de ser”, pondera. “Sinto muito prazer em poder conectar pessoas que vão poder transformar, fazer coisas bacanas juntas”, emenda.

Beatriz usa vestido, camisa, calça e sapatos GUCCI
Vogue Brasil/ Ruy Teixeira
Mas entre os Yunes, ou melhor as Yunes, colecionar é, também, questão de DNA familiar. Tudo teve início quando, no início dos anos 1970, Ivani, mãe de Beatriz, se deparou com um desafio decorativo: encontrar uma obra de arte para colocar em cima de sua lareira, na casa que vivia no Pacaembu com o marido, Jorge Yunes, que foi proprietário da Companhia Editora Nacional e depois se dedicou à realização de livros didáticos, se tornando expoente do segmento. Bia, recorda a matriarca, era recém-nascida. “A partir daí, pegamos o gosto”, comenta Ivani, que começou a frequentar os leilões de arte da época com o marido em busca de novos achados.
“Os leilões eram verdadeiras aulas e através deles conhecemos pessoas muito interessantes”, lembra. No começo, se dedicaram a comprar obras brasileiras, aponta a colecionadora – assim arremataram peças de Tarsila do Amaral e Lasar Segall, hoje consideradas raridades no mercado e com preços estratosféricos (o quadro A Caipirinha, de Tarsila, por exemplo, foi leiloado em 2020 pela Bolsa de Arte de São Paulo por R$ 57,5 milhões). Com as crianças mais crescidas, começaram a rodar o mundo atrás de novas peças, e a coleção foi ganhando um aspecto mais histórico e internacional.
“A coisa foi indo numa crescente, tipo bola de neve. Começamos a comprar arte sacra, africana, e por aí vai”, explica Ivani, que, em 50 anos, ao lado de Jorge, entre a profusão de viagens, feiras, antiquários e leilões, adquiriu por volta de 30 mil artigos, entre objetos, pinturas e esculturas vindas dos cinco continentes, que datam do século 2 a.C. até a década de 1970, se tornando uma das maiores colecionadoras de todo o país.
Camila veste camisa, saia e sapatos tudo PRADA, brincos, pulseiras e anéis Tiffany&Co.
Vogue Brasil/ Ruy Teixeira
Depois da morte do marido, em setembro de 2017, Ivani escalou Beatriz para colocar ordem em todo o acervo, que “estava muito bagunçado”. Assim, Bia assumiu o posto de diretora da coleção, e promoveu um rigoroso processo de catalogação, pesquisa, conservação e restauro, seguindo os padrões museológicos determinados pelo International Council of Museums, da Unesco, que hoje são exibidas na casa que foi a última moradia do casal mecenas, construída em 1935 pelo arquiteto franco-brasileiro Jacques Pilon (1905- 1962), no Jardim Europa.
Na sequência, as duas trouxeram Camila para o time que, com seu olhar afiado para a arte contemporânea, criou o projeto Caixa de Pandora, onde artistas fazem intervenções tendo a coleção dos avós como pano de fundo que, depois de sete edições, evoluiu para Arterea, que atualmente é alvo de exposição no endereço. “É uma mostra em que os artistas se apropriam da arquitetura da casa”, explica Camila.
Da esquerda para a direita, Beatriz usa vestido, sapatos e pulseira à esquerda, tudo DIOR, brincos e pulseiras CARTIER. Camila usa casaco, calça e sapatos, tudo DIOR, brincos e colar CARTIER. Ivani usa blazer e saia DIOR, brincos e colar CARTIER
Vogue Brasil/ Ruy Teixeira
Casada com o galerista Conrado Mesquita (um dos sócios da Galatea), a art advisor também tem, além do trabalho na Kura Arte (consultoria de arte que fundou para conectar artistas a parceiros comerciais e que fomenta residências e outras atividades no segmento), o próprio acervo particular para cuidar. “A nossa coleção tem mais de 1.500 peças. É bastante coisa, e a gente empresta muito”, orgulha-se. “Porque quando o artista cria o seu trabalho, ele está criando aquilo para o mundo. Não só para uma pessoa individual ficar vendo na casa dela. Então eu acho esse lugar de compartilhar extremamente importante”, emenda. “Uma coleção é um legado. Ela sobrevive ao tempo e conta nossa história, mesmo quando a gente não estiver mais aqui. Então talvez seja um legado que a gente possa deixar para os nossos filhos”, completa Camila, olhando afetuosamente para o filho Antonio Bernardo, prestes a completar 1 ano, brincando sorridente no jardim interno da casa.
Unidas pelo sangue e pelo amor à arte, elas contam que, apesar da convivência intensa, os gostos de cada uma são bastante específicos e se diferem entre si. “Minha mãe é muito mais experimental. Curte arte sonora, performance, algo mais etéreo, que não necessariamente você consegue visualizar ou pegar”, pontua Camila. “Já minha avó vai mais para aquilo que pulsa com o olhar dela. E eu gosto daquilo que me traz uma sensação de estranhamento”, completa, tendo em mente uma das últimas obras que comprou nestes tempos, uma escultura que “parecia uma carne escorrendo”, de Iagor Peres, vencedor do Prêmio Pipa no ano retrasado, em exposição na galeria Luisa Strina. “Fiquei alucinada”, recorda com empolgação a neta mecenas.
Já na moda, mãe e filha têm mais sintonia. “Procuro marcas que valorizam o trabalho de artistas e fazem colaborações com eles”, defende Camila, que confessa estar de olho em uma bolsa Dior feita em parceria com Sheila Hicks, expoente da arte têxtil, que colaborou com Jonathan Anderson em sua coleção de estreia para o verão 2026 da maison. A paixão fashion vem na cola das escolhas da mãe, Bia, defensora do mesmo ponto de vista. “Para mim, moda e arte têm tudo a ver”, diz ela, que adquiriu recentemente uma bolsa, também Dior, mas vintage, feita em colaboração com a escultora e pintora francesa Niki de Saint Phalle nos anos 60.
“Encontrei em um leilão da Sotheby’s”, entrega ela, que também é grande apreciadora do trabalho da label anglobrasileira Caroline Perino. Seja na moda, na arte ou na vida, Ivani revela que o que a cativa é a beleza. “A arte, em todas as suas formas, tem beleza. É uma beleza de quem fez e que nossos olhos vão ter o prazer de ver.” Bia arremata: “São formas diferentes de olhar o mundo, mas a gente olha mesmo na mesma direção. E isso nos une”.
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