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As enzimas são proteínas que orientam (catalisam) reações químicas muito específicas. Elas desempenham papéis indispensáveis em todas as formas de vida. Algumas enzimas realizam funções biológicas cotidianas, como digerir alimentos, outras são fundamentais para o crescimento, algumas servem para a proteção contra toxinas, e certas enzimas conferem a um organismo um “superpoder” único. Por exemplo, existe uma enzima nas plantas chamada RuBisCO que lhes permite transformar a energia do sol nos blocos básicos da alimentação, ou seja, o açúcar.
Há enzimas em certas bactérias que permitem a conversão do gás nitrogênio da atmosfera em formas utilizáveis necessárias para sustentar toda a vida na Terra. Embora os humanos produzam diferentes enzimas próprias, há milhares de anos encontramos maneiras de utilizar enzimas de microrganismos, muito antes mesmo de serem identificadas. Originalmente isso era feito combinando farinha ou uvas com leveduras ou bactérias naturalmente presentes na natureza, para produzir produtos fermentados como vinho ou iogurte.
No entanto, no último século aprendemos a isolar e produzir as próprias enzimas e utilizá-las diretamente nesses processos. Por exemplo, as enzimas “amilases”, normalmente encontradas na saliva e usadas para iniciar a quebra do amido que consumimos, são utilizadas para modificar o amido da farinha de panificação, de modo que ele não se cristalize rapidamente e deixe o pão “dormido”.
Microrganismos naturais (bactérias e fungos) são uma fonte rica de enzimas úteis, mas até recentemente apenas uma fração minúscula dessa diversidade potencial era acessível, porque era necessário cultivar o organismo em laboratório para estudá-lo e entender quais capacidades ele poderia ter.
O mundo está repleto de organismos que não podem ser cultivados em laboratório, pelo menos não sem técnicas muito especializadas. Isso é particularmente verdadeiro para organismos que vivem em ambientes muito incomuns, como respiradouros hidrotermais nas profundezas do mar ou em águas e solos extremamente salgados. O termo geral para os organismos que vivem nesses ambientes hostis é “extremófilos”, e eles são de interesse porque suas enzimas evoluíram para “operar” sob condições incomuns, como altas temperaturas ou ambientes muito ácidos.
Tecnologia de Descoberta Inovadora
Existe uma empresa no Japão chamada bitBiome que desenvolveu uma nova maneira de descobrir enzimas com “superpoderes” produzidas por extremófilos ou qualquer outra categoria exótica de micróbios, sem nunca precisar cultivar esse organismo em ambiente laboratorial.
A tecnologia deles começa com uma técnica de separação microscópica que permite isolar células bacterianas individuais a partir de uma amostra ambiental ou biológica mista. Em seguida, usam tecnologias recentemente desenvolvidas para fazer muitas cópias do DNA daquela bactéria e sequenciá-lo, tudo isso sem precisar cultivar mais bactérias isoladas.
Depois, utilizam uma combinação de genética evolutiva, bio e químico-informática e inteligência artificial para comparar as sequências e prever características tridimensionais dessas novas proteínas, cruzando com informações semelhantes disponíveis em bancos de dados públicos e privados que incluem sequências ou proteínas conhecidas de interesse.
As sequências coletadas pela bitBiome são mantidas em seu banco de dados, que hoje abriga cerca de 2,4 bilhões de sequências provenientes de mais de 1 milhão de organismos. Com a tecnologia de sequenciamento da empresa, esse banco cresce em mais de 1 bilhão de sequências por ano. A inteligência artificial é essencial para ajudar a identificar enzimas aparentemente diferentes, mas com atividades-alvo semelhantes.
Isso acontece porque enzimas de diferentes organismos às vezes parecem distintas, seja na sequência de aminoácidos ou na estrutura 3D, mas ainda assim conseguem realizar reações semelhantes. Isso permite que os pesquisadores da bitBiome identifiquem novos genes para inserir em um organismo padrão de produção de proteínas em laboratório e gerem amostras de novas versões potencialmente interessantes das enzimas ou proteínas codificadas por essas sequências gênicas isoladas.
Isso também possibilita avaliar a função dessas enzimas ou proteínas recém-identificadas. Mesmo com a IA, esse processo de descoberta e “mineração” seria impossível sem a capacidade de sequenciar células individuais. Isso porque as técnicas comuns dependem de uma tecnologia de sequenciamento com décadas de existência chamada metagenômica de shotgun, que frequentemente deixa de detectar populações bacterianas em amostras complexas. Como resultado das limitações dessa tecnologia tradicional, ainda não identificamos mais de 99% das espécies bacterianas existentes em nosso planeta.
Aplicações da tecnologia
Há muitas aplicações potenciais para esse novo método de descoberta de enzimas, incluindo biomanufatura, remediação de resíduos ou toxinas, reciclagem sustentável de têxteis e plásticos e a produção de aditivos alimentares naturais. Embora a bitBiome esteja atualmente focada em parcerias com empresas que buscam novas ou melhores enzimas para desenvolver, ela também tem um pipeline interno de produtos, no qual desenvolve seu próprio conjunto de enzimas, proteínas ou ingredientes para aplicações comerciais.
A bitBiome também oferece seu sequenciamento de célula única para empresas e pesquisadores acadêmicos interessados em analisar populações microbianas em nível celular. Esse tipo de pesquisa é fundamental, particularmente nas áreas de compreensão do microbioma intestinal, mas também para o entendimento de populações microbianas complexas no solo, por exemplo, entre as raízes de culturas em crescimento. Há muito tempo se sabe que as bactérias interagem com seu ambiente de maneiras tanto negativas quanto positivas, desde o H. pylori, a bactéria intestinal associada a úlceras gástricas, até o Lactobacillus, conhecido por auxiliar na saúde intestinal.
As Parcerias
A bitBiome já obteve sucesso com vários parceiros, incluindo a Ajinomoto, uma empresa japonesa que fornece enzimas para a indústria de processamento de alimentos há muitas décadas. As tecnologias de enzimas alimentares da Ajinomoto contribuem para maior produtividade, redução de custos e uso mais eficiente dos recursos alimentares.
A colaboração entre a bitBiome e a Ajinomoto tem como foco usar a tecnologia proprietária da bitBiome para descobrir enzimas totalmente novas, com funcionalidades e aplicações inéditas, em áreas onde até hoje não existiam soluções adequadas. Novas funções e capacidades poderão ser descobertas e como poderão ser empregadas pela crescente bioeconomia.
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