Aos 11 anos, Alê Prado entrou pela primeira vez na Casa do Rio, uma pequena iniciativa que começava a brotar na comunidade ribeirinha do Tupana, no Amazonas. “Eu sou filha de agricultores, nasci e cresci neste território e minha vida se cruzou com o sonho que viria a se tornar a Casa do Rio. Naquele tempo, nós não tínhamos acesso ao mínimo de educação, dignidade ou políticas públicas. Foi então que o Thiago Cavalli, encantado pela Amazônia e pelas pessoas daqui, começou a dar aulas em sua própria casa, ainda sem imaginar que esse gesto seria a semente de algo tão grande”, conta.
A Casa do Rio é uma organização amazônica que fortalece comunidades, valoriza saberes tradicionais e protege a floresta através da educação, cultura e sustentabilidade. O trabalho tem como objetivo conectar pessoas e experiências para construir um futuro onde o território e seus povos prosperem. São ações que transformam a vida de crianças na primeira infância, mulheres que empreendem e jovens que sonham. “Fortalecemos a educação, sob as bases da nossa pedagogia da floresta. Fomentamos a agroecologia, impulsionamos o empreendedorismo baseado na sociobiodiversidade, preservamos a cultura e a ancestralidade dos povos amazônidas “, diz Cavalli, fundador da ONG.
Desde o início, a valorização do trabalho do artesanato era o caminho, mas o mais importante era esse processo de resgate da autoestima e de fortalecimento da identidade acompanhado com a geração de renda. Alê, hoje coordenadora administrativa da organização, explica que as mulheres da comunidade do Tupana se reuniam para tecer com matérias-primas da floresta, como o cipó ambé, o cipó titica e a palha do mato. “Muitas ainda não tinham tanta habilidade no acabamento, mas o essencial estava ali: o encontro. Momentos só entre mulheres, algo raro para a nossa cultura. Era um espaço de partilha, de conversa e de fortalecimento coletivo”.
Alê Prado, coordenadora administrativa da Casa do Rio
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Jeff Ares, vice-presidente do conselho consultivo e importante articulador da organização, conta sobre o histórico do trabalho realizado: “O primeiro passo foi mostrar a elas o valor do artesanato como algo transformador em suas vidas, o valor do design, do resgate do saber ancestral. Houve também um momento de sensibilização humana, com rodas de conversa entre mulheres, como espaços de apoio para falar sobre questões pessoais e familiares. Muitas mulheres conseguiram sair de situações de violência doméstica graças a esses encontros”.
“Depois veio a contribuição da Luly Vianna, que trouxe técnicas de design e acabamento, aproximando esse fazer ancestral de um design contemporâneo, palatável para o mercado de luxo. Em seguida, houve o meu trabalho de fazer a conexão entre essa produção e as marcas desse mercado”.
Ao longo dos anos, avanços significativos aconteceram provando a capacidade do projeto. “Todo esse trabalho de olhar para o artesanato local e para as mulheres se tornou uma tecnologia social certificada pela Fundação Banco do Brasil. Hoje ela se chama Artesania Amazônica, e é interessante destacar que a Casa do Rio criou essa tecnologia social a partir desse processo de sensibilização das mulheres, além de estabelecer pontes com a criação contemporânea como forma de inserção no mercado do design e moda” destaca Jeff.
Encontro dos participantes do projeto.
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Como em diversas comunidades amazônicas, o empreendedorismo e a bioeconomia com matérias-primas locais e saberes artesanais são potenciais fontes de renda, porém, para que comunidades se tornem de fato auto suficientes com este trabalho é necessário o estímulo de diferentes atores, tanto poder público, privado e terceiro setor. Políticas públicas que garantam acesso à educação e saúde, programas de estímulo a pequenos produtores, conexão com o mercado por meio de negócios justos são alguns pontos que necessitam de atenção. Portanto, o trabalho de organizações que facilitam o desenvolvimento local é de extrema importância.
Desta forma, uma das frentes de trabalho realizada com as mulheres da Casa do Rio, com o tempo, foi ganhando forma e nome: Teçume da Floresta, projeto que se tornou uma marca e hoje está totalmente consolidado e independente. A marca está em várias lojas de artesanato de destaque no Brasil, como na loja da Cris Rosenbaum, integra a Rede Artesol, possui conta própria no instagram e já alcançou um nível profissional de desenvolvimento. A Dona Maria Alexandre, uma das primeiras artesãs do projeto, é hoje a diretora da marca.
“A Casa do Rio já floresceu: o projeto cresceu, amadureceu e se tornou uma tecnologia social reconhecida. Estamos em outro patamar, mais sólido e potente. Ao longo do tempo, desenvolvemos diversos cases, como por exemplo com a Cris Barros, com quem trabalhamos há nove anos cocriando uma peça por ano e revertendo renda para a Casa do Rio”. Explica Jeff, responsável por firmar parcerias com marcas importantes do mercado da moda nacional e internacional, como Diane Von Fustemberg, Yael Sonia, FIT, Giuliana Romano, Entreposto, Rima Casa, entre outras.
Para o trabalho da organização ir ainda além, nasce o sonho do Centro de Saberes, um espaço para unir sabedoria ancestral, ciência e tecnologia onde a floresta e as pessoas coexistem em harmonia. “Eu cresci ouvindo que um dia teríamos um espaço para a comunidade se encontrar e também receber pessoas de fora para viver experiências na Amazônia. Será um lugar de acolhimento, de troca entre saberes ancestrais e cultura contemporânea. Um espaço inovador, onde surgirão novas lideranças, guardiões da Amazônia e pessoas que se reconheçam em sua própria identidade. Não existe nada parecido na nossa região. Será uma verdadeira casa, um lar de conhecimento e de futuro”, conta Alê.
Para garantir a viabilização financeira, foi realizado um jantar no Rosewood São Paulo que arrecadou 1.2 milhões para a construção da primeira fase do Centro de Saberes da Floresta. Entre diversos parceiros, o jantar contou com apoio de marcas de moda e joias como Cris Barros e Ara Vartanian, e da mantenedora Katia Francesconi.
Equipe e parceiros da Casa do Rio no jantar
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“Cada doação recebida, representa uma porcentagem de esperança e de continuidade para aquilo que queremos construir. A ajuda não está apenas no valor financeiro: ela acontece quando alguém apresenta uma parceria, uma oportunidade, uma conexão que abre novos caminhos. O jantar foi um marco para a Casa do Rio e para todas nós “, compartilha Alê.
Outro ponto de destaque é que o espaço será construído no chamado Arco do Desmatamento, uma região da Amazônia profundamente impactada pela crise climática, pela expansão de atividades ilícitas e por empreendimentos que destroem a floresta e ameaçam os mais diversos modos de vida. Thiago acredita: “Nesse cenário desafiador, o Centro surge como um espaço de resistência e renovação, fortalecendo soluções que conciliam conservação, desenvolvimento sustentável e o respeito aos povos da floresta”.
Assim como Alê, muitos jovens e crianças aguardam por oportunidades que só se tornam possíveis quando tecidas em rede, por meio de parcerias e colaborações. “Eu fui uma das primeiras crianças do projeto. Cresci dentro da Casa do Rio, que me ajudou a reconhecer minha identidade, me formou como mulher e como profissional. Sou a prova viva de que esse trabalho é contínuo e transforma gerações”.
Jeff reforça: “O Centro de Saberes virá como catalisador, um espaço para aumentar as trocas e para fortalecer novas parcerias, onde mulheres possam vender seus produtos e se conectar. Há, inclusive, um processo em andamento com as mulheres Murá, de uma comunidade indígena da região, para desenvolver trabalhos conjuntos. Tudo isso mostra que a Casa do Rio já construiu um caminho robusto, com conquistas reais, e agora se prepara para dar passos ainda maiores.”
Não é preciso estar na Amazônia para fazer a diferença. Ao apoiar projetos sociais e educacionais, todos nós colaboramos no enfrentamento da crise climática e promovemos impacto real para as pessoas e para o planeta.
Thiago Cavalli e Jeff Ares.
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Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.
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