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Vera Fischer: “Existe esperança na maturidade”


Leve, mas profunda. Engraçada, mas incômoda. O Casal Mais Sexy da América, com Vera Fischer, encontra sua força justamente no contraste entre a delicadeza com que aborda temas difíceis — como etarismo, assédio sexual e invisibilidade na maturidade — e a fluidez com que entrega essas reflexões ao público. Não há pressa, nem imposição: há, sim, um convite à reflexão.
Na trama, que está em cartaz no Teatro Liberdade, em São Paulo, até 21 deste mês, Vera vive Susan, uma atriz americana que brilhou nos anos 90 ao lado de Robert McAllister (Leonardo Franco). Trinta anos depois, eles se reencontram em um quarto de hotel, criando um palco para frustrações, revelações e a tensa possibilidade de reacender um amor esquecido — com interrupções cômicas e agudas de um “boy do hotel”, interpretado por Vitor Thiré, que traz o mundo digital direto para os veteranos em cena.
“A peça quer mostrar que ainda existe uma esperança na maturidade. Que as pessoas ainda podem ser felizes, podem fazer sexo, podem se encontrar e falar suas verdades em plena luz do dia”, disse Vera em entrevista exclusiva à Vogue. “A gente mostra que pode, que deve, que existe.” Ao longo da conversa, Vera compartilha como construiu a personagem Susan — tão diferente de si mesma em método, mas tão próxima em essência —, relembra momentos marcantes de sua carreira e fala, com franqueza, sobre o etarismo na televisão e no entretenimento em geral. “É difícil ser protagonista com a minha idade. Estão puxando tudo para a juventude”, afirma. Confira o bate-papo abaixo:

Vogue: Vera, o que mais te encantou nesse novo trabalho? O que te fez dizer sim para essa peça?
Vera Fischer: Eu acho que, em primeiro lugar, eu amo fazer teatro. Eu já tinha feito uma peça com os mesmos produtores, que ficou em cartaz por dois anos e meio. Terminou há um ano. Então, deu muito certo. Tanto a nossa parceria e amizade, quanto o resultado da peça. Foi um grande sucesso. E aí eles me apresentaram essa nova peça, que fala muito sobre etarismo. Na verdade, esse é o grande plot da história. São dois atores americanos que tiveram um programa de televisão muito famoso nos anos 90. Eles foram chamados de “o casal mais sexy da América”. Os dois eram casados com outras pessoas, mas sempre tiveram um crush um pelo outro. Só que, na época, não se podia falar sobre isso.
Vera Fischer
Divulgação/Carlos Costa
Vogue: E é interessante ver como essa tensão não resolvida pode se transformar em um reencontro tão potente em cena…
Vera Fischer: A peça começa 30 anos depois, quando eles se reencontram — algo que nunca mais tinha acontecido. Eles começam a conversar sobre o passado, sobre o presente, sobre como está difícil conseguir trabalho, sobre a ausência de personagens protagonistas, e sobre como está complicado arrumar um parceiro ou parceira depois dos 60. Mas muitas outras coisas acontecem, porque não é uma peça linear. O que me interessou foi justamente isso — e também o tema do assédio sexual, que também é abordado na peça.
Vogue: Ao olhar para a trajetória da Susan, quais aspectos da personagem mais dialogam com a sua própria experiência como atriz?
Vera Fischer: A Susan, em termos de trabalho, é o oposto da Vera. Eu sou uma pessoa que não tem um método específico. Eu estudo o papel, decoro, decoro, decoro… e depois vou fazer com a minha intuição. A Susan não. Ela estuda muito, aplica todos os métodos, tem processos para representar. Ela é mais metódica, mais complexa nesse sentido.
Vogue: E como foi esse pedido do diretor de construir uma Susan mais leve?
Vera Fischer: O diretor me pediu para não fazer dela uma grande “estrelona”, muito glamourosa, porque, na verdade, ela não é isso. Quando a peça começa, parece que ela é uma estrela decadente, mas não é. Ele pediu leveza, agilidade, quase como se fosse uma menina — e, nesse ponto, a Susan não é como a Vera. Eu sou muito ágil, muito serelepe, muito ligada no tempo todo. A Susan não. Acredito que a comédia sempre foi, e ainda é, revolucionária. Porque, por meio do riso, você também faz a pessoa refletir. Ela sai do teatro pensando: “Por que eu ri disso? Foi de nervoso? Porque já vivi isso? Porque é só engraçado mesmo?” Tem sempre algo por trás. Mesmo quando eles têm uma cena de cama — se atrapalham, se machucam, parecem velhos, como se não pudessem mais fazer sexo — tudo isso tem um sentido. O mais importante é que a peça quer mostrar que ainda existe esperança na maturidade. Que as pessoas ainda podem ser felizes, fazer sexo, se encontrar, falar suas verdades à luz do dia, falar sobre o passado, mesmo que doa, com mais leveza. A peça tem um lado romântico também.
Vogue: A sensualidade na maturidade ainda é vista com certo tabu. A peça toca nesse assunto de forma direta…
Vera Fischer: Sim. Elas se vestem normalmente, têm comportamentos naturais, e só depois de um tempo expressam o interesse mútuo. E tudo isso é feito com naturalidade, o que hoje em dia é mais possível. Talvez isso não fosse dito nos anos 90. Talvez não houvesse liberdade para isso. Depois da internet e de tudo o que aconteceu, as pessoas ficaram mais livres. A peça tem essa pegada. Com o tempo, eles vão se despindo, emocionalmente, e falando suas verdades.
Vogue: E mesmo a cena de intimidade entre eles carrega um quê cômico, certo?
Vera Fischer: Tem uma cena em que eles vão literalmente para a cama. Ela está de maiôzinho, ele com uma roupa de baixo. Mas a cena é engraçada. Não fica sensual. Ou até pode ficar. É uma mistura de sensualidade com humor. Fica bacana. Mas não tem a intenção de mostrar sensualidade forçada, nem o contrário — de dizer que, depois de certa idade, você não pode mais beijar, se tocar ou desejar alguém. A gente mostra que pode. Que deve. Que existe.
Vogue: Você mencionou como a internet deu mais liberdade às pessoas. Você acha que o teatro e o cinema estão mais avançados que a televisão nesse sentido?
Vera Fischer: Sim, com certeza. No teatro e no cinema, temos papéis excelentes já escritos, e qualquer autor pode criar personagens para mulheres de qualquer idade: 60, 70, 80, 90 anos. Na televisão, está mais difícil. A idade dos atores e atrizes tem diminuído cada vez mais. É mais raro ver atrizes com a minha idade — tenho 73, vou fazer 74 — em papéis protagonistas ou de relevância. Pode acontecer, claro. Mas hoje em dia, preferem colocar uma atriz de 30 anos.
“O Casal Mais Sexy da América” está em cartaz no Teatro Liberdade
Divulgação/Carlos Costa
Vogue: E isso mexe também com o imaginário do público sobre quem pode protagonizar histórias de amor.
Vera Fischer: Quando eu fiz a Helena, em Laços de Família, eu tinha 50. Se fosse hoje, colocariam uma de 30 no papel. Estão puxando tudo para a juventude. A internet também influencia nisso. A maioria dos influencers são jovens. E, sinceramente, influenciador de quê? Pra quê? Alguns, sim. Mas a maioria? Eu não acompanho muito. Comecei a ter uma vida ativa na internet a partir da pandemia, falando de trabalho e vida pessoal. E isso me trouxe muitos fãs jovens, o que é ótimo. Essa peça, por exemplo, está trazendo um público de todas as idades, porque fala de romance, de maturidade, de assédio sexual — que era tabu nos anos 90. No final da peça, a personagem da Susan conta que passou por isso. E que só agora está falando. Porque depois do movimento [#MeToo], muita coisa mudou. Muita gente foi presa, cancelada. A peça traz vários assuntos à tona. E o público reconhece isso. Vem falar com a gente.
Vogue: E como têm sido esses encontros com o público? O que eles te contam depois da peça?
Vera Fischer: Eles vêm pessoalmente. Falam: “Naquela hora, eu me senti perfeitamente representada.” E os homens também comentam sobre a atuação do Leonardo, e também do Victor, que faz o papel do “boy” no hotel onde os personagens estão hospedados. Ele é um rapaz jovem, muito conectado à internet. E os dois atores mais velhos não lidam tão bem com isso. Esse personagem traz o mundo atual para os dois. Diz: “Esses dois velhinhos parecem avôs e avós.” É um conflito geracional divertido — e positivo. E o público se identifica muito com várias situações.
Vogue: E, por fim, se você pudesse encontrar a Vera de 30 anos atrás, qual conselho daria a ela?
Vera Fischer: Olha… eu sempre fui muito intuitiva. Do tipo que vai e pensa depois. Nunca quis ser atriz. O trabalho foi chegando, e eu fui fazendo, porque precisava pagar minhas contas. Só me considerei atriz mesmo depois dos 25 anos, quando ganhei um prêmio pelo filme Intimidade. Aí sim, falei: “Agora, eu sou atriz.” As coisas foram acontecendo naturalmente. E se eu pudesse dar um conselho para a Vera de 30 anos atrás, seria esse mesmo que eu segui a vida inteira: confia na tua intuição e segue em frente.
Serviço:
O Casal Mais Sexy da América
Local: Teatro Liberdade – Rua São Joaquim, 129 – Liberdade, São Paulo | @teatroliberdadesp
Datas: 22 de agosto a 21 de setembro de 2025
Horários: Sextas e sábados às 20h; domingos às 17h
Duração: 90 minutos
Classificação: 14 anos
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