Para Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, a 36ª Bienal de São Paulo tem um senso de urgência. Afinal, mais do que nunca, é preciso discutir, nas mais profundas camadas, a humanidade. Natural de Camarões, o curador-geral da mostra, em cartaz a partir de sábado (06.09), acredita que estamos assistindo a uma “celebração da desumanização”, um desmonte importante desse “sentimento”.
“O que nos obriga a dar um passo atrás e perguntar: se humanidade fosse um verbo, como o conjugaríamos? Oque significa ser humano?”, questiona Bonaventure, também diretor e curador-geral do Haus der Kulturen der Welt (HKW) de Berlim, uma das mais importantes instituições culturais do mundo. “Como disse Chinua Achebe [autor nigeriano morto em 2013], um grupo não pode ser humano sozinho. Ou ascendemos juntos ou caímos juntos. Precisamos nos engajar ativamente no processo de reumanização”, alerta.
Imbuído da ideia de “conjugar humanidade”, o camaronês e sua equipe de cocuradores – Alya Sebti, Anna Roberta Goetz e Thiago de Paula Souza, além da cocuradora adjunta Keyna Eleison e da consultora de comunicação e estratégia Henriette Gallus – olharam para o poema de Conceição Evaristo Da Calma e do Silêncio para conceituar esta edição da Bienal, que tem a Rolex entre seus patrocinadores, uma mudança histórica na organização do evento, que costumava ser encerrado quatro semanas antes. “Conceição Evaristo é uma lenda, nossa estrela. A forma como ela escreve nos ajuda a entender o mundo”, comenta Keyna.
A instalação multimídia Pods for Dreaming, da jamaicana Camille Turner
Divulgação, Toni Hafkenscheid / Divulgação, Deniz Güzel / Divulgação, Adama Delphine Fawundu, Thiago Barros / Divulgação
Bonaventure observa que o poema de Conceição é fundamental para compreender a narrativa da exposição, intitulada Nem Todo Viandante Anda Estradas – Da Humanidade como Prática. “Essa frase tem um contexto bem específico, de gente como ela que, às vezes, é acusada injustamente de estar em inércia, assim como, na plantação, o senhor de escravos que não pegava no batente acusava as pessoas que davam duro de não trabalharem o suficiente ou de serem preguiçosas”, compara.
Aweng for Chuol, do camaronês Adjani Okpu-Egbe
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No campo prático, a mostra, que vai até 11 de janeiro do ano que vem, reúne 120 participantes no Pavilhão da Bienal e outros cinco na Casa do Povo, entre eles nomes como Sadikou Oukpedjo, da Costa do Marfim; a nigeriana-americana Precious Okoyomon; a jamaicana Camille Turner; a nova-iorquina Adama Delphine Fawundu; a chinesa Hao Jingban; e os cariocas Márcia Falcão e Maxwell Alexandre.
Ao todo, a expografia contará com três núcleos: o primeiro reivindica o espaço e o tempo; o segundo é um convite explícito a tentar enxergar a si mesmo no reflexo do outro; e o último aborda a colonialidade, suas estruturas de poder e suas ramificações em nossas sociedades atuais. “O corpo tem sido território de estudo de saberes pictóricos e é exatamente isso que eu estou levando para o Pavilhão”, conta a artista plástica Márcia Falcão, que participa pela primeira vez de uma Bienal de São Paulo.
Menagerie of Players, da norteamericana Cynthia Hawkins
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Potência criativa, Maxwell afirma que sua contribuição nesta edição da Bienal é um tiquinho contraditória, uma vez que pode passar despercebida. “É quase um não trabalho, uma não participação”, aponta o carioca. “Construí uma galeria cenográfica de papel pardo monumental pintada com tinta branca de parede. A ideia é fornecer um espaço encenado do ‘cubo branco’ onde acontece uma mostra de outros artistas. De alguma maneira, existe uma anulação em minha presença ali, quando se pensa que meu trabalho ficou conhecido pela pintura figurativa de pessoas pretas”, explica.
Ibeji, Cosmas and Damian at the Kongo River, da nova-iorquina Adama Delphine Fawundu
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A visão de Maxwell Alexandre vai de encontro à proposta curatorial, defende Bonaventure. “Estamos criando uma mostra baseada na generosidade”, orgulha-se o curador. “Essa é uma Bienal que propõe um espaço para reflexão e diálogo sobre as questões mais importantes e sensíveis de nosso tempo.” @bienalsaopaulo