O presidente dos Estados Unidos assinou nesta quarta-feira (30) o decreto que impõe tarifa de 50% para produtos brasileiros que chegam ao país norte-americano. O mercado de tecnologia não está nos holofotes do tarifaço, contudo, o setor de data centers também pode ser atingido e estava organizando alguns movimentos para tentar driblar os encargos americanos.
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O serviço de data centers intefere diretamente no desempenho de ferramentas de inteligência artificial e sistemas de nuvem no Brasil. Isso porque as empresas que instalam esses centros importam produtos como servidores e GPUs dos EUA e, caso o governo brasileiro decida aplicar a Lei de Reciprocidade, o preço desses produtos tende a ter um aumento considerável – o que pode inviabilizar a compra e prejudicar a inovação no Brasil.
A Lei da Reciprocidade foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril e determina critérios proporcionais para situações em que sejam impostas barreiras comerciais a produtos brasileiros.
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Então, na prática, caso o tarifaço se mantenha, o Brasil poderá aplicar de volta a taxa de 50% para produtos dos EUA que sejam comercializados no país — até o momento, não há nenhuma comunicação oficial que confirme a medida.
Data centers são pontos centrais para o setor de tecnologia
Embora o país não seja grande exportador de hardware e dados para os EUA, uma retaliação pode comprometer o desenvolvimento do setor e o protagonismo brasileiro no mercado global.
O presidente da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom), Affonso Nina, ressaltou ao Canaltech que representantes do setor e do governo fazem movimentações para que o Brasil se torne destaque como exportador de dados – hoje o país importa dados, majoritariamente.
“O Brasil está bem posicionado para ser um player importante, para atender o mercado, passar a atender o mercado nacional, a demanda nacional aqui internamente e passar a ser um exportador”, afirma Nina.
Para viabilizar esse avanço, está em tramitação no Senado o PL 3018/2024 que busca estabelecer diretrizes para a operação de data centers designados para o processamento de dados de inteligência artificial.
Há também a Medida Provisória 1.307 que busca trazer incentivos fiscais para atrair investimentos em data centers. A MP do ReData, como é chamada, foi entregue recentemente e está na mesa do Congresso para análise.
O que pode acontecer caso tarifas sejam aplicadas?
A pesquisadora do Women in AI (WAI) e consultora da Comissão de IA na Associação Brasileira de Entidades de TIC (ABEP-TIC), Melina Ferracini, alerta para riscos de estagnação tecnológica se não existirem compensações eficazes. Entre os principais efeitos, estão:
- Aumento do custo operacional: taxação pode inviabilizar projetos de IA, especialmente em universidades e pequenas empresas;
- Dependência de subsídios: medidas emergenciais podem não resolver o problema estrutural e gerar dependência fiscal;
- Fuga de talentos e empresas: incertezas regulatórias podem levar profissionais e companhias a buscarem ecossistemas mais estáveis, como Canadá, Chile e Portugal;
- Desaceleração da transformação digital: setores como agronegócio, saúde e logística podem atrasar sua modernização.
A consultora aponta que a possível retaliação da taxação, que pode afetar data centers e serviços de cloud, dominados por empresas americanas, encarece o acesso a infraestrutura essencial para pesquisa e desenvolvimento.
“Isso afeta diretamente startups, universidades e centros de inovação, que dependem de plataformas como AWS, Azure e Google Cloud”, destaca.
Importação é um ponto crucial
Affonso Nina, presidente da Brasscom, também destaca que, caso o Brasil imponha tarifas recíprocas para os EUA, o impacto será importante para a importação. Isso porque, segundo ele, no geral, o Brasil importa cerca de 10% de hardware e equipamentos de TI dos Estados Unidos. Quando se fala de data centers, esse número pode subir para 15%.
“Podemos sentir o impacto em componentes importantes que são justamente os servidores. Quando a gente fala de inteligência artificial, as chamadas GPUs que vêm dos Estados Unidos, aí sim veremos um impacto importante se acontecer essa reciprocidade”, aponta.
Como as tarifas impactam serviços de IA e cloud?
Apesar de serem categorizados como serviços, ferramentas de inteligência artificial e serviços de nuvem permeiam não só o setor de tecnologia, como também diversos outros setores da cadeia produtiva do Brasil, que vão desde grandes empresas até pequenos negócios.
Melina Ferracini, da WAI, destaca que se houver uma elevação de preços, a modernização das empresas pode ser dificultada. Isso porque elas enfrentarão maiores desafios financeiros para investir em tecnologias e infraestruturas mais eficientes, como inteligência artificial e armazenamento de nuvem.
“Data centers mais antigos, com menor otimização energética e de resfriamento, tenderão a ter sua vida útil prolongada, atrasando a transição para práticas mais sustentáveis e desenvolvimento das empresas”, elenca Ferracini.
O professor de MBA da FGV e especialista em tecnologias emergentes e IA, Kenneth Corrêa alerta que, caso o cenário conflituosos das tarifas se instaure, haverá um grande retrocesso no avanço do Brasil no desenvolvimento de modelos de IA e aquisição de equipamentos que promovem inovação no país.
“A gente já está duas casas atrás no jogo de xadrez. Se essas duas peças se moverem, voltamos mais duas e ficamos quatro casas para trás. Assim, todas as compras previstas para 2026 não vão acontecer, e só será adquirido o que for emergencial ou crítico. O restante seguirá sucateado, com equipamentos antigos por bastante tempo”, avalia Corrêa.
Há realmente chances de retaliação do Brasil?
Apesar dos possíveis desafios, o presidente da Brasscom ressalta que as chances de realmente haver alguma retaliação por parte do Brasil são baixas.
“Na reunião que nós tivemos com o ministro Alckmin na semana passada ele reiterou isso; ele falou a disposição do governo de buscar a linha de negociação. Então a intenção do Brasil não é fazer uma retaliação, pelo menos no momento”, ressalta a liderança da Brasscom.
Kenneth Corrêa também avalia que as chances do governo aplicar a Lei de Reciprocidade são baixas. “Esses últimos 50% [de tarifa dos EUA], eu vejo como uma estratégia de barganha e negociação, não estou me baseando no achismo, estou me baseando em todos os outros países que sofreram o mesmo que o Brasil”.
Além disso, Affonso Nina aponta que as organizações e empresas do setor de tecnologia apontaram o MP do ReData como uma medida de negociação com o governo american, com potencial para incentivar e tornar o Brasil atrativo para a instalação de data centers dos EUA, assim como de outros países próximos da costa.
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