Desde que foi anunciado, Silent Hill f tinha minha atenção completa: ambientação japonesa (a primeira vez na série) e uma equipe de primeira poderiam ser fatores que decisivos para trazer o clima de inquietação e o terror psicológico tão brutal que a franquia já teve no passado.
A transmissão especial de março trouxe ainda mais elementos que me empolgaram, como o tema “encontrar a beleza no horror”, algo que sempre achei que, de alguma forma, sempre esteve nos 4 games originais produzidos pela Team Silent: a atmosfera perturbadora e desconfortável que, às vezes, parece dar lugar à paz e aconchego quase paradoxal.
Imagem: Konami
Por conta de tudo isso e mais, minhas expectativas para Silent Hill f eram altas quando tive a oportunidade de testar mais de 4 horas de gameplay. E, após os testes, saí genuinamente empolgado, mas com algumas letras miúdas: embora Silent Hill f acerte em cheio no clima, atmosfera e na trama interessantíssima, ele tem um gameplay um pouco diferente do que você pode esperar.
Está curioso? Venha ver as nossas primeiras impressões de Silent Hill f abaixo!
Silent Hill f não se acanha em apresentar uma trama intrigante
Um dos elementos em comum que todas as entradas de Silent Hill têm é a sensação de “por quê?”: por que eu estou vivendo esse pesadelo, por que esse personagem parou neste local que pune a culpa e o remorso, o que aconteceu com o protagonista para ele estar nesse limbo sobrenatural?
Essas respostas costumam ser bem construídas, mas são entregues em um envelopamento final que dá sentido à campanha. Porém, Silent Hill f toma um rumo diferente. Desde o começo é perceptível que há algo errado, bem errado, com a protagonista Hinako, sua cidade natal de Ebisugaoka, sua família e seus companheiros de escola.
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Diferente de outros títulos, há uma gama bem maior de personagens na tela e todos parecem ter assuntos mal resolvidos. A própria cidade, que quase sempre atua como um próprio personagem, também traz elementos intrigantes com seu passado envolto em crendices e um futuro promissor que nunca aconteceu (e agora é mais decadente do que nunca).
Não quero dar muitos detalhes para que você mesmo possa aproveitar a mesma sensação que eu tive, mas aqui vai um resumo. No enredo, acompanhamos a jovem Hinako, estudante que tem problemas com sua família (com um pai alcóolatra que detesta suas atitudes rebeldes) e uma relação complicada com seus amigos de infância.
Silent Hill f parece ter uma ênfase consideravelmente maior em trazer elementos de história na campanha: há bastante cutscenes e muitos momentos para apresentar personagens, dinâmicas sociais e construir a clássica sensação de desconforto e inquietude – certamente, há algo (ou mais de uma coisa) errada e não sabemos apontar exatamente o quê.
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Desde os primeiros minutos, Silent Hill f me fisgou. O núcleo de amigos de Hinako traz uma sensação de estranheza enorme, como se a detestassem por trás, mas ao mesmo tempo seu relato no diário pessoal aponta como são boas pessoas – seria esse um fenômeno psicológico e não algo real?
A família de Hinako também reserva sua própria dose de intriga, com um pai desfuncional e uma citada irmã que aparentava ser a luz da casa – mas ela se casou e se mudou, e sequer conhecemos seu rosto, dando a entender que há algum evento macabro que ainda não conhecemos.
Além disso, há um homem misterioso que aparece no “mundo invertido”, local que acessamos sempre quando estamos inconsciente, que quer ajudar a protagonista, mas alguma entidade a alerta sobre não confiar nele (mas ele parece uma figura muito confiável) e nos seus amigos (e eles não parecem ser confiáveis, causando uma ambiguidade muito forte).
Será que tudo conspira contra Hinako? Será isso um produto de seu subconsicente? Ou será isso parte de algo maior e já provocado em alguns diálogos (que vou evitar mencionar o que é)? O pontapé inicial da trama de Silent Hill f é incrível e estou ansioso para ver mais.
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Todos esses elementos caminham muito bem para criar um ar de suspense e desconfiança, nos prendendo ao redemoinho de mistério. Silent Hill f sabe tratar dos seus temas e seus pilares narrativos de forma exímia e, certamente, vai trazer um gostinho de quero mais a cada desdobramento.
A equipe de desenvolvimento de Silent Hill f conta com um reforço de altíssimo calibre na trama, já que Ryukishi07, roteirista de Higurashi When They Cry, anime e visual novel referências no terror japonês moderno, está liderando a história do game e já citou que um dos temas é “encontrar a beleza no terror”.
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Esse tema realmente clicou comigo e está presente de uma forma bem sutil em todas as 4 horas que joguei. Pessoalmente, a franquia Silent Hill sempre foi de terror, claro, especialmente com temas delicados, sentimento de culpa subconsciente e muita melancolia, mas sempre soube dosar alívios de paz e beleza em cada jogo – e acho que Silent Hill f entende isso perfeitamente, se tornando um dos grandes pontos positivos para mim até agora.
A Konami nos confirmou que Silent Hill f terá 5 finais diferentes (incluindo o clássico UFO) e que não haverá rótulos de “bom” ou “ruim”, apenas perspectivas distintas sobre os desfechos. Da maneira que a trama correu nas primeiras 4 horas, mal posso esperar para ver quais são eles.
O clima sufocante e desconfortável está de volta com tudo
Apesar de a franquia se chamar Silent Hill, homônimo da cidade retratada em toda a série, já vimos o conceito do terror psicológico em outros lugares, como em Ashfield no quarto game e na Alemanha em A Short Message. Entretanto, ver a trama se passando no Japão é uma estreia para a série.
E, mais do que retratar a Terra do Sol Nascente, a ambientação é um tanto diferente também: o enredo vai acompanhar a jovem protagonista Hinako na cidade fictícia de Ebisugaoka, zona rural do país, na década de 60. Além da localidade, a década é totalmente diferente do que já vimos na série.
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Isso abre um precedente muito bom para experimentações e esse é um dos maiores pontos positivos dessa nova entrada da franquia. Silent Hill f traz temas e representações familiares, mas, ao mesmo tempo, em uma roupagem nova e mais melancólica.
Apresentar esse cenário mais interiorano da década de 60 japonês ajuda a criar uma ambientação quase alienígena para os fãs, retratando muito bem um período de transição do país em um local afastado, capturando muito a essência do folclore japonês: há uma linha muito tênue entre civilização moderna e crendice popular antiga.
O maior trunfo da franquia Silent Hill é como situações e cenários mundanos (em conjunto com sonoplastia e trilha sonora) criam experiências desconfortáveis, cada nuance evoca sentimentos de desconforto e inquietação. Porém, Silent Hill f sequer precisa de uma construção para trazer essa sensação: desde o começo há uma ansiedade por algo que sequer conseguimos entender.
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Também achei bem intrigante como Silent Hill f não delineia tão bem o que é o mundo “de névoa” e o que é o “Otherworld” (ou o mundo sombrio e decrépito que conhecemos), criando um anseio para entender mais sobre o que está acontecendo e por que Hinako está passando por isso. Como disse, a história realmente me fisgou bastante.
A Konami até mesmo nos explicou que um dos conceitos abordados aqui é a filosofia japonesa de apreciar o silêncio e a passagem do tempo (que eu adoraria lembrar o termo, mas me falha a memória). Isso é lindo e casa como uma luva na sensação que os melhores títulos da franquia têm a oferecer, o vácuo, o espaço negativo, é sentido a cada momento do gameplay.
Mesmo entre as entradas mais fracas da franquia, ambientação e atmosfera nunca tiveram em falta, mas Silent Hill f acerta com força dessa vez. Joguei apenas 4 horas e quero ver como o jogo vai continuar a apresentar esses elementos, mas com um início tão forte, existe a possibilidade de termos uma das experiências mais marcantes de toda a série.
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Silent Hill f não tem o gameplay que você espera (mas isso não é ruim)
Se você jogou os títulos clássicos ou o recente Silent Hill 2 Remake, pode ser que sinta uma estranheza ao jogar Silent Hill f. Embora elementos como combate, puzzles e exploração estejam todos presentes em algum nível por aqui, eles acontecem de outra forma e, principalmente, em um ritmo diferente.
Vamos começar pelo combate? Diferente dos demais games (salvo exceções, como Shattered Memories), o sistema de luta de Silent Hill f é praticamente inteiro focado em embates corpo a corpo e uma barra de vigor para realizar ataques. Para balancear isso (afinal, é um recurso “infinito” em termos de game design), a desenvolvedora implementou uma mecânica de quebra de armas.
Foices, martelos, facas e canos enferrujados têm data de validade e se deterioram com o uso e requerem substituições – ou ferramentas de reparo. Você pode atacar e se esquivar, mas também estará limitado ao seu medidor de stamina, se tornando vulnerável se fizer escolhas erradas.
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Você pode realizar ataques leves e pesados, que são diferentes para cada arma, além de contra-ataques em janelas oportunas, demonstradas como uma silhueta de cor diferente no semblante dos inimigos, causando mais dano e até atordoamento.
O interessante é que há um outro recurso em cima de todas essas camadas: a sua barra de sanidade. Ao apertar o L2, você foca na criatura à sua frente e consome esse recurso, garantindo que você veja com mais facilidade o momento de fraqueza, mas encarar de frente o terror têm consequências ao psicológico de Hinako – e errar um golpe nesse estado pode causar danos temporários ao tamanho da barra de sanidade.
Costurando ainda mais essa novidade, Silent Hill f também inaugura mecânicas mais contemporâneas, como campo de visão dos inimigos, fuga e furtividade. Tudo isso é bem diferente do que eu esperava e acho que houve uma quebra de expectativas.
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Honestamente, eu gostei do gameplay e achei bem competente, mas também estranho. Um dos conceitos do game design que a Konami define como um pilar de Silent Hill f é o “combate de vida ou morte”, mas achei que há inimigos aos montes e há uma quebra de imersão nessa experiência impecável quando Hinako pode enfrentar um chefão muito maior do que ela apenas com um cano enferrujado.
Há um certo elemento “anime” aqui, com esquivas perfeitas e desvios que levam Hinako para bem longe dos monstrengos, quase como um superpoder – que contrasta de uma forma não tão positiva com a tensão do horror psicológico da atmosfera tão pé no chão e magistralmente construída.
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Em contrapartida, realmente amei os puzzles de Silent Hill f, que traz desafios mais interessantes que não menosprezam o intelecto do jogador (estou falando de você, Resident Evil). Além disso, todos os enigmas acontecem em tempo real (ou seja, você pode ser atacado enquanto desvenda um obstáculo) e têm uma ligação com a história pessoal de Hinako, um verdadeiro deleite.
Também adorei o design dos inimigos e mal posso esperar para entender como a representação de cada criatura se interliga com o subconsciente da protagonista: toda a direção de arte foca no misticismo japonês e na beleza natural das flores, realmente impressionante de contemplar.
Outro ponto positivo que gostei foi o sistema de itens de Silent Hill f. Além das armas e itens de cura, existem objetos que podem ser consumidos para restaurar a saúde e/ou sanidade de Hinako, mas que também podem ser guardados e ofertados para altares religiosos que garantem melhorias permanentes nos atributos da protagonista.
Imagem: Konami
Por fim, o ritmo. Diferente do recente Silent Hill 2 Remake, por exemplo, a dose entre combate, exploração e resolução de puzzles não é tão bem distribuída. Por vezes, passei mais de uma hora apenas explorando, enquanto outros momentos traziam seções de combate constante e, às vezes, até puzzles sequenciais sem respiros.
Esse espaçamento de atividades de gameplay de forma isolada é algo que eu criticaria, mas Silent Hill f parece ser tão alinhado em tudo do que faz que, por ora, preciso olhar o escopo maior para entender – algo que não é possível realizar em apenas 4 horas.
Eu realmente gostei da experiência que tive até agora e anseio por mais. E, até mesmo nos pontos que não clicaram tanto, teço elogios pela decisão autoral de tentar algo diferente. Terei que esperar a versão final para ver o quanto isso pode impactar, seja para bem ou para mal. Até aqui, Silent Hill f exala uma sensação de spin-off e tenta criar um DNA próprio.
Imagem: Konami
Silent Hill f pode estar no hall da fama da franquia?
Silent Hill f parece que está nos trilhos para se tornar um dos jogos mais únicos e autorais da franquia. A equipe claramente conhece as nuances da série, entende o poder do terror psicológico e toca cada nota para criar a sensação de desconforto, inquietação e horror, mas também de beleza e da tranquilidade, sabendo dosar seus trunfos.
Ele é o que eu mais gostei de jogar até hoje? Por ora, não. Talvez por quebra de expectativas ou falta de familiaridade com esse novo compasso, eu preciso digerir um pouco mais. Entretanto, autoralidade e originalidade, especialmente na visão de uma equipe japonesa da mais alta qualidade desde a Team Silent original, é justamente o que a franquia mais precisa.
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E é louvável que coisas novas estejam em andamento. Mesmo o gameplay não evocando o que mais me agrada, ele me pareceu muito competente e com elementos de história e atmosfera tão incríveis que eu só queria continuar a jogar.
Silent Hill f já tinha a minha atenção, mas agora tem o meu maior interesse em uma obra de terror que consigo lembrar em muito tempo – e mal posso esperar pelo lançamento, que acontece no dia 25 de setembro no PC, PS5 e Xbox Series.