Nona Arte #3: entenda a narrativa das HQs com esses 3 arte-finalistas

Tem gente que sequer conhece o trabalho dos arte-finalistas nos quadrinhos, o que é um pecado, pois o papel desses profissionais é essencial para a conclusão dos aspectos mais importantes para a construção de uma boa ambientação e consistência dos traços, inclusive a aplicação equilibrada de luz e sombra. Vem comigo que te mostro os detalhes sobre de como esse povo controla a narrativa única da Nona Arte.

Como de praxe em cada edição desta série de matérias, acima está uma playlist para você combinar a música com a leitura dos quadrinhos por meio de faixas que combinam com o estilo, a ambientação e até o enredo.


Entre no Canal do WhatsApp do Canaltech e fique por dentro das últimas notícias sobre tecnologia, lançamentos, dicas e tutoriais incríveis.

Então é isso, aí aperte o play e primeiro temos que revisitar os conceitos básicos sobre o que é arte-final, quais os estilos e por que muitos trabalhos exigem uma linha específica de colaboradores que trabalham diretamente ao lado dos desenhistas, letreiristas e coloristas.

O que é e para que serve a arte-final nos quadrinhos?

A arte-final nos quadrinhos é a etapa em que o desenho a lápis é finalizado com linhas mais limpas, geralmente com tinta, para dar definição, profundidade e estilo ao traço. Essa etapa é essencial para tornar os desenhos prontos para impressão, coloração ou publicação digital. Esse trabalho ajuda a definir o desenho, contornando e limpando os traços a lápis para deixar a arte mais clara e impactante. A arte-final cria volume e profundidade através de variações de linha, hachuras e sombras.

Além disso, o arte-finalista imprime seu estilo, que pode mudar o impacto visual da arte, e também preparar o terreno para a aplicação das cores, facilitando o trabalho do colorista ao separar os planos e formas. Outra função importante é valorizar a narrativa, destacando personagens, ações ou emoções por meio de contrastes e detalhes.

Entre as técnicas manuais mais usadas estão o nanquim tradicional, aplicado com penas, pincéis ou canetas de arquitetos. Também permite variações ricas de linha, da fina à grossa, e você costuma ver esse tipo no estilo clássico americano. Já as canetas técnicas e marcadores, de produtos como os da Micron, Staedtler ou Copic Multiliner são mais utilizadas para a precisão na definição das linhas limpas e uniformes. Essas são mais comuns em quadrinhos de traços claros e mangás.

Klaus Janson é um dos nomes mais famosos nas melhores ilustrações do Batman (Imagem: Reprodução/DC Comics)

Os pincéis são usados para a finalização de linhas expressivas e dinâmicas, enquanto as penas de metal (ou bico de pena) são muito usadas em mangás e HQs detalhadas, devido ao controle de pressão e textura. Atualmente o que ajuda bastante a acelerar o processo de arte-finalização é o uso da tecnologia com recursos digitais em tablets e mesas gráficas, que permitem ajustes rápidos, controle de opacidade, zoom, simulação de ferramentas tradicionais.

Entre as técnicas específicas de acabamento estão as hachuras, que são aquelas linhas paralelas usadas para o efeito de, assim como a contrahachura, que usam faixas cruzadas e mais densas. Muitos vão se lembrar também do stippling, que é aquele sombreamento com pontilhismo, famoso nos anos 1960 e 1970.

O pincel seco oferece um efeito rústico e texturizado com pouca tinta, e, por fim, as silhuetas destacam áreas inteiras de preto para criar contraste.

A carga dramática e o peso das texturas da Klaus Janson

Se abrisse um gibi do Demolidor do Justiceiro com os desenhos de John Romita Jr. ou Frank Miller nos anos 1980 e 1990, provavelmente notaria um acabamento difícil de ignorar, pois a diferença dos traços era absurda entre os trabalhos arte-finalizados por Klaus Janson na comparação com outros.

Bem, Janson vem de uma família alemã que chegou aos Estados Unidos em 1957, onde cresceu em Connecticut e rapidamente se apaixonou por quadrinhos. Seu primeiro trabalho profissional apareceu em Jungle Action #6, publicado pela Marvel em setembro de 1973. 

Após servir como assistente de Dick Giordano no início da década de 1970, Janson recebeu sua primeira arte publicada ainda como arte-finalista em títulos como Os Defensores. Seu estrelato começou com Demolidor, ao lado de Frank Miller, que chegava a passar apenas layouts, deixando os desenhos em si para o próprio Janson. Nessa época, ele também mostrou habilidades na colorização.

Daí em diante, seu repertório só cresceu, assim como a amplitude dos títulos que colaborou, como Detective Comics, Batman – O Cavaleiro das Trevas, Justiceiro, Homem-Aranha, entre outros. Ele também atuou no ensino de narrativa sequencial na School of Visual Arts de Nova York.

Janson também fez um excelente trabalho com o Justiceiro de John Romita Jr. (Imagem: Reprodução/Marvel Comics)

Janson é amplamente reconhecido por seu estilo de arte-final com traços audaciosos, contrastes fortes e composição visual dramática. Seu traçado forte e “pesado”, com pinceladas grossas, remete à estética clássica de mestres do passado como Mort Meskin e George Roussos, reinterpretada com vigor moderno e atmosfera noir,

O artista enfatiza o foco principal do desenho, inserindo textura, sombras e profundidade emocional às páginas. Janson domina o controle de valor (preto, branco e cinza), utilizando peso de linhas na distribuição de espaços negativos — essa é uma característica primordial de seu trabalho, que resulta em profundidade e drama visual.

Bill Sienkiewicz traz as artes plásticas às HQs

Sienkiewicz é um iconoclasta da arte-final tradicional, pois sua obra transcende contornos e hachuras, substituindo-os por pintura, abstração, textura e intensidade emocional. Sua abordagem artística transformou quadrinhos em arte visceral e experimental, por combinar quadrinhos com fine art, expressão visual e abstração. 

Embora ele tenha uma arte-final marcante, é, na verdade, um artista completo, que também escreve e desenha. Seu trabalho foi considerado revolucionário por incluir colagens, pintura a óleo, acrílica, aquarela, mimeógrafo e outros meios dentro da estética dos quadrinhos. Bem, nascido em 3 de maio de 1958 nos Estados Unidos, Bill Sienkiewicz cresceu em Nova Jersey e estudou na Newark School of Fine and Industrial Arts.

Logo em seu primeiro título como arte-finalista da série do Cavaleiro da Lua, nos anos 1980, Bill aos poucos deixava para trás a influência de Neal Adams, e sua ascensão foi marcada pelo espetacular trabalho expressionista na revista dos Novos Mutantes

Cada desenhos de Sienkiwiecz parece uma obra de arte (Imagem: Reprodução/Marvel Comics)

A partir de 1984, ele passou a experimentar ainda mais, só que maneira consistente e habilidosa em suas criações, transitando entre o estilo heróico clássico, o abstrato e o expressionista, por meio de desenhos tradicionais combinados com pintura, colagens, tinta, spray e efeitos visuais não convencionais.

Entre seus trabalhos mais elogiados estão Elektra Assassina, de 1986, que levou o Yellow Kid Awards e o Gran Guining Awards; e Sandman: Noites Sem Fim, que abocanhou o Eisner Award de 2004.

Scott Williams definiu o visual dos heróis nos anos 1990

O sucesso da adaptação da animação dos X-Men nos anos 1990, que retornou recentemente em uma continuação direta como parte do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, na sigla em inglês), deve muito ao design de personagens de Jim Lee, que teve seus desenhos catapultados pela excelente e consistente arte-final de Scott Williams.

Williams é conhecido por usar penas tipo crow quill e caneta, em vez de pincel, para aplicar seus traços limpos e bem definidos, com variações sutis e precisas na linha. Sua técnica aplica dinamismo nos movimento e orienta o olhar do leitor na narrativa de maneira bem fluída, pois o arte-finalista consegue limpar os elementos desnecessários e definir bem cada rabisco em diferentes planos de aproximação

Ainda que seu estilo tenha influência de Klaus Janson, Frank Miller, Neal Adams e Tom Palmer, uma de suas maiores qualidades é aplicar sua assinatura na boa definição nítida dos elementos da composição de cada painel, tirando o peso e refinando as linhas, sem se sobrepor ao estilo do desenhista.

Ele contraste nítido entre linhas finas e grossas, criando profundidade e volume; e faz uso estratégico de hachuras e cruzamentos de faixas, em uma técnica conhecida como Arte-Final de Código Morse — justamente porque à distância esse grafismo lembra mesmo o recurso de comunicação com pontos e travessões.

Williams ficou famoso por seu trabalho ao lado de Jim Lee nos X-Men dos anos 1990 (Imagem: Reprodução/Marvel Comics)

Nascido em 1960 nos Estados Unidos, Williams tornou-se um dos grandes nomes do quadrinho estadunidense ao lado de Jim Lee. Ele começou na Marvel em 1986 com Power Pack e logo se destacou como arte-finalista preferido de Lee, em parcerias nos títulos Uncanny X‑Men, WildC.A.T.s, Batman, Superman e All‑Star Batman and Robin: The Boy Wonder.

Lee e Williams tinham um trabalho tão marcante que se tornou a maior referência do visual dos super-heróis da Image Comics nos anos 1990. Em 2012, o arte-finalista foi homenageado com o Joe Sinnott Hall of Fame Award pelo Inkwell Awards.

Assim chega ao fim a série Nona Arte

Bem, foram algumas semanas com três matérias que, acredito, tenham cumprido a missão de reunir nove artistas com abordagens completamente diferentes no uso da estrutura dos quadrinhos em narrativas que só podem ser realizadas na Nona Arte.

Espero que todos tenham curtido. A ideia é de que tudo reunido nessa série enriqueça a compreensão na leitura da linguagem dos quadrinhos. E não percam as playlists quinzenais da série HQ Tracks, que oferecem a ambientação musical ideal para você embarcar nas leituras ouvindo canções que se comunicam com os enredos, personagens e climas das publicações.

 Leia mais:

Leia a matéria no Canaltech.