Países como Vietnã, Filipinas e Japão fecharam acordo com os Estados Unidos. E o presidente Donald Trump apareceu ao lado de um alto funcionário do governo desses países porque, na verdade, é ele quem decide e quem anuncia. A declaração é do ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e no Reino Unido, Rubens Barbosa, em entrevista ao InfoMoney.
Barbosa diz que tanto o vice-presidente Geraldo Alckmin quanto o ministro Fernando Haddad já falaram com a Secretaria do Tesouro americano e com o Departamento de Comércio. Mas, segundo ele, “não adianta nada esse tipo de conversa se não houver contato direto com a Casa Branca.”
O ex-embaixador insiste que é preciso abrir um canal de diálogo diretamente com o presidente americano. “Como Lula não quer falar, então o vice-presidente deveria falar. O governo tem que pedir ao encarregado de negócios aqui ou à Embaixada em Washington para que o presidente americano receba Alckmin”, afirma.
Segundo Barbosa, a carta que o Brasil recebeu deixa claro que era preciso negociar diretamente com o presidente Trump. Como isso não aconteceu até agora, ele acredita que o mais provável é que a tarifa de 50% entre em vigor no dia 1º de agosto, conforme anunciado. “Quem vai pagar esta conta é o setor privado”, avalia o ex-embaixador.
Leia a entrevista:
InfoMoney: Como estão as tratativas do governo brasileiro com o governo americano para impedir a entrada em vigor das tarifas de 50% a partir do dia 1º de agosto?
Rubens Barbosa: O ministro Fernando Haddad e o vice-presidente Geraldo Alckmin falaram com a Secretaria do Tesouro americano e com o Departamento de Comércio. Mas eu tenho insistido muito que não adianta nada esse tipo de conversa se não houver contato direto com a Casa Branca. Desde o começo do governo Lula, não há nenhum contato oficial entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto, entre o Itamaraty e o Departamento de Estado americano. Essa é uma negociação comercial e é claro que precisa falar com o Ministério do Comércio de lá.
A gente vê o exemplo dos países que fecharam acordo, como Vietnã, Filipinas e Japão. Trump apareceu ao lado de um alto funcionário do governo desses países porque, na verdade, é ele quem decide e quem anuncia. Haddad ouviu isso lá e é verdade: quem decide é a Casa Branca. A rigor, houve contatos, o Brasil já apresentou propostas, mas não falou com a Casa Branca, que é quem decide.
InfoMoney: O senhor acredita que esse diálogo com a Casa Branca tinha que partir do governo brasileiro ou da própria Casa Branca?
Rubens Barbosa: Na carta que Trump mandou no dia 9 de junho, e que a gente devolveu, estava escrito que, no dia 1º, as tarifas iam ser aplicadas e que o governo americano estava pronto para negociar. Parece que a gente não lê direito as coisas, mas estava escrito lá que o presidente Trump está disposto a negociar. E o governo brasileiro até tentou negociar por canais que são importantes, mas não era isso que estava na carta. A US Chamber (Câmara do Comércio dos Estados Unidos) também disse que o governo brasileiro tem que mandar alguém de alto nível para conversar diretamente com a Casa Branca.
InfoMoney: Na visão do senhor, essa conversa com o presidente Trump teria que ser pedida diretamente pelo presidente Lula?
Rubens Barbosa: Não, poderia ser em nível de vice-presidência. Se Lula não quer falar com Trump, ele não precisa falar, mas tem que mandar alguém, neste caso poderia ser o vice-presidente Geraldo Alckmin. O problema é que, desde a eleição, desde a campanha eleitoral, o governo brasileiro não estabeleceu nenhum contato do Lula com Trump e nem com a Casa Branca. Quer dizer, com quem o governo vai falar lá agora? Não tem contato com ninguém.
Por isso, defendo que tem que ser feito um contato formal. Como Lula não quer falar, então o vice-presidente deveria falar. O governo tem que pedir ao encarregado de negócios aqui ou à Embaixada em Washington para que o presidente americano receba Alckmin. Se eles não quiserem receber, é outra história. E não precisa nem divulgar isso. É uma coisa reservada, ninguém precisa ficar sabendo que foi recusado.
InfoMoney: Esta iniciativa teria, então, que partir do governo brasileiro?
Rubens Barbosa: Nesse caso, sim. Todo mundo fez isso. A União Europeia, o Reino Unido, o Vietnã. No caso da China é diferente, porque o próprio Trump procurou, porque tem interesse envolvido. Foi o único país para quem Trump ligou. No caso dos outros países, a lógica americana é: o país que tiver interesse que chame. Foi isso que aconteceu com todos, sem exceção. Todos os países procuraram Trump ou chamaram alguém na Casa Branca para negociar. Na carta, está muito claro que Trump vai botar a tarifa de 30, 50% e o Brasil que tem que negociar. O ministro do Comércio falou a mesma coisa. E agora falta o Brasil negociar. Porque os Estados Unidos não vão ficar correndo atrás dos outros países, eles estão numa posição de força. Você pode até comentar que é errado, mas a realidade é essa.
InfoMoney: Será que o receio do governo brasileiro não seria de sofrer uma humilhação, como aconteceu no caso do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que foi desrespeitado por Trump?
Rubens Barbosa: Não é isso. No caso do Zelensky, não se tratava de uma negociação comercial. A descompostura foi por causa da guerra. Nenhum chefe de estado ou alto funcionário que negociou tarifa passou por situação semelhante. Essas situações, que aconteceram com Zelensky e também com o presidente da África do Sul, não tinham nada a ver com negociação comercial.
InfoMoney: O senhor está dizendo que todos os países que tentaram uma negociação comercial tiveram tratamento diferente?
Rubens Barbosa: Foram recebidos lá e negociaram. Você já tem aí uns dez ou 15 países que negociaram, fecharam acordos com os Estados Unidos. Até o Vietnã, que é um país comunista, fechou. Nestes últimos dias, as Filipinas e o Japão fecharam.
InfoMoney: O senhor acredita que a comitiva do Senado Federal que estará em Washington vai conseguir algum avanço?
Rubens Barbosa: Acredito que não vai ter nenhum efeito. O gesto é importante, mas não é com a Casa Branca. Eles vão falar no Congresso e o Congresso de lá está de recesso. Então, vai ser difícil encontrar deputados ou senadores influentes.
InfoMoney: É possível que o governo americano use a Lei Magnitsky — que impõe sanções econômicas, como o bloqueio de contas bancárias — contra o ministro do STF Alexandre de Moraes e outras autoridades brasileiras?
Rubens Barbosa: Eu acho que eles não vão aplicar; ficaria surpreso se o fizessem. O próprio Alexandre de Moraes maneirou. Se ele tivesse prendido Bolsonaro, seria uma possibilidade. Mas, agora, acho que os Estados Unidos não vão aplicar essa Lei Magnitsky.
InfoMoney: Na avaliação do senhor, o presidente Trump quer realmente impor sanções comerciais ao Brasil ou, na verdade, o interesse dele seria interferir politicamente aqui no país?
Rubens Barbosa: Ele é tão volátil que fica difícil saber. Neste momento, eu acredito que estão realmente em questão as tarifas comerciais e as big techs. O Alckmin já entrou nesta negociação. Fez esse levantamento no Brasil, apresentou uma proposta, mas os americanos não estão levando adiante. Teria que fazer esta proposta chegar ao presidente Trump. No momento, a proposta brasileira deve estar em outras instâncias, que não têm capacidade para negociar. O próprio Alckmin falou isso e Haddad também. Eles sabem que é assim, porque já ouviram tanto do departamento do Tesouro quanto do departamento de Comércio que quem resolve é a Casa Branca.
InfoMoney: O senhor acredita que, quando o prazo dado por Trump estiver chegando ao fim, o presidente Lula ou o vice-presidente Alckmin vai tomar essa iniciativa?
Rubens Barbosa: Não vai adiantar nada, porque o que eles querem é extensão do prazo e eu não sei se os Estados Unidos dariam essa extensão, já que no dia 1º começam a cobrar as tarifas. Se o Brasil ligar na véspera, os americanos vão deixar para negociar depois. Desde o dia 9, que as autoridades brasileiras sabem que a tarifa é de 50%. Hoje já é dia 25. Até agora, não conseguiram negociar a questão da tarifa.
InfoMoney: Na sua opinião, há um erro de estratégia do governo brasileiro?
Rubens Barbosa: Desde o começo da gestão Trump, o governo brasileiro não estabeleceu um canal de comunicação como todo mundo fez. Inclusive os países comunistas. Agora o que está em jogo é a defesa do interesse brasileiro. Não é uma questão política. O Brasil tem que defender o interesse nacional, porque a cobrança dos 50% vai ter um impacto muito grande no setor privado, como o agro e a indústria. Quem vai pagar esta conta é o setor privado.
InfoMoney: Os Estados Unidos demonstraram interesse em minerais críticos brasileiros. Esta seria uma boa contrapartida para negociar com os americanos?
Rubens Barbosa: O encarregado de negócios americano esteve com o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e falou sobre isso. Agora, tem que ouvir isso do Trump. Isso deve entrar em negociação, mas não está na mesa. O Brasil, se quiser, tem que fazer a proposta. E não propôs nada até agora. Os Estados Unidos propuseram 50% e querem negociar. E o Brasil tem que colocar uma proposta de negociação. O Alckmin disse que já deu uma proposta, então tem que pedir uma resposta à proposta do Brasil, que deve ter redução de alíquotas e redução de barreiras não tarifárias e deve ser uma proposta relacionada com os 50%. A minha visão é que, enquanto não tiver contato direto com a Casa Branca, não vai avançar. E eu acredito que no dia 1º, assim como está escrito na carta, a tarifa vai ser aplicada.
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