Não são apenas as ameaças de tarifas comerciais que assustam produtores de alimentos e consumidores em todo o planeta. Um estudo recente mostra que as mudanças climáticas têm gerado picos de preços causados por eventos extremos. Batatas britânicas, vegetais da Califórnia, milho sul-africano, cebolas indianas e até o café brasileiro são alguns dos alimentos recentemente atingidos, de acordo com uma equipe internacional de cientistas.
A pesquisa da The Food Foundation, em cooperação com o Centro de Supercomputação de Barcelona, mostra que, em média, alimentos saudáveis custam duas vezes mais por caloria do que alimentos menos saudáveis. Assim, quando os preços sobem, as famílias de baixa renda provavelmente reduzem o consumo de alimentos nutritivos, como frutas e vegetais, simplesmente porque não podem comprá-los.
Portanto, o estudo conclui que os aumentos dos preços dos alimentos induzidos pelas mudanças climáticas podem exacerbar uma série de problemas de saúde: desde a desnutrição — falta de nutrientes, especialmente em crianças com maiores necessidades nutricionais — até várias doenças crônicas relacionadas à dieta, como doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e vários tipos de câncer.
Há também um número crescente de estudos que ligam a insegurança alimentar e dietas pobres à saúde mental.
O estudo, liderado por Maximilian Kotz, do Centro de Barcelona, analisou 16 casos em 18 países entre 2022 e 2024, nos locais onde os aumentos de preços foram associados a ondas de calor, secas ou chuvas extremas, muitos dos quais excederam qualquer precedente histórico anterior a 2020.
Para o Brasil, foi citado o caso do mercado global de café. O país é o maior exportador mundial do tipo arábica, enquanto o Vietnã é o maior exportador mundial da classe robusta. Os preços globais do café subiram 55% em agosto de 2024 após a seca de 2023 no Brasil, que os cientistas dizem ter sido de 10 a 30 vezes mais provável devido às mudanças climáticas. Os preços do café robusta subiram 100% em julho de 2024, após ondas de calor recordes no Vietnã e na Ásia.
No Reino Unido, foi citado que o preço da batata subiu 22% — entre janeiro e fevereiro de 2024 — após chuvas extremas de inverno que os cientistas dizem ter sido 20% mais pesadas e 10 vezes mais prováveis devido às mudanças climáticas.
Na Califórnia e no Arizona, nos Estados Unidos, os preços dos vegetais subiram 80% em novembro de 2022 após a seca extrema do verão nos estados do oeste, que sofreram com escassez de água, calor extremo e seca do solo durante o verão de 2022.
São citados também os casos da Espanha e da Itália, onde a seca de 2022-2023 no sul da Europa – à qual os cientistas atribuem mais de 30% da intensidade e extensão do episódio de verão de 2022 devido ao aquecimento global – levou a um aumento de 50% ano a ano no preço do azeite na UE em janeiro de 2024, somados aos aumentos do ano anterior. A Espanha produz mais de dois quintos do azeite do mundo.
Além disso, os preços globais do cacau estavam 280% mais altos em abril de 2024, após a onda de calor na Costa do Marfim e em Gana dois meses antes, que os cientistas dizem ter sido 4°C mais quente devido às mudanças climáticas. Juntos, esses dois países respondem por quase dois terços (60%) da produção global de cacau.
No México, os preços de frutas e vegetais subiram 20% em janeiro de 2024 após a seca de 2023, uma das mais severas do país em mais de uma década.
Confira o mapa dos efeitos globais do clima no abastecimento de alimentos
Custo também é social
“Até atingirmos emissões líquidas zero, o clima extremo só vai piorar e já está prejudicando as plantações e tornando os alimentos mais caros em todo o mundo. As pessoas estão percebendo: o aumento dos preços dos alimentos é o segundo impacto climático mais percebido em sua vida, perdendo apenas para o calor extremo”, destacou Maximilian Kotz, pesquisador de pós-doutorado Marie Curie no BSC e principal autor do estudo.
Ele lembrou ainda que os mandatos dos bancos centrais para domar a inflação podem se tornar mais difíceis de cumprir, pois o clima extremo torna os preços dos alimentos mais voláteis, tanto doméstica quanto globalmente.
Já Amber Sawyer, analista da Unidade de Inteligência de Energia e Clima (ECIU), citou que, no ano passado, o Reino Unido teve a terceira pior safra já registrada e na Inglaterra a segunda pior, após chuvas extremas que os cientistas dizem ser 10 vezes mais prováveis e 20% mais intensas devido às mudanças climáticas.
“Mas não é só isso. Os agricultores britânicos têm oscilado entre extremos nos últimos anos. Eles passaram de uma onda de calor extremo em 2022 – quando as temperaturas atingiram 40°C pela primeira vez – para chuvas extremas no final de 2023 e início de 2024, ambos prejudicando suas plantações”, afirmou, complementando que, agora, eles acabaram de enfrentar a primavera mais quente desde o início dos registros, e a sexta mais seca. Para eles, a mudança climática não é um aviso futuro: é sua realidade diária.
“Esses extremos também afetam os consumidores. No Reino Unido, as mudanças climáticas adicionaram £ 360 à conta média de alimentos por família apenas entre 2022 e 2023. E desde então, tivemos eventos climáticos ainda mais extremos. O planeta já aqueceu cerca de 1,3°C acima dos níveis pré-industriais. Mas a análise da ONU indica que o curso atual está levando a um aquecimento de cerca de 3 ° C, que eles descrevem como “devastador”.
A pesquisa foi publicada dias antes do Balanço da Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU, no domingo (27), onde os líderes mundiais se reunirão para discutir as ameaças ao sistema alimentar global. O evento é co-organizado pela Etiópia e Itália, ambos países atingidos pelo aumento dos preços dos alimentos causados pelas mudanças climáticas, e ambos incluídos no estudo.
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