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Kaê Guajajara: “A arte indígena hoje é um grito e um abraço ao mesmo tempo”


Nesta sexta-feira (12.09), Kaê Guajajara faz história ao se tornar a primeira mulher indígena a se apresentar no The Town. Com um show inspirado no álbum Forest Club, a artista promete traduzir em música e movimento a conexão entre ancestralidade e contemporaneidade — um encontro que ganha vida na pista, na eletrônica e na dança. “A arte indígena hoje é um grito e um abraço ao mesmo tempo”, diz em entrevista à Vogue Brasil. “Ela denuncia as feridas abertas pelas violências históricas, mas também celebra nossa vitalidade e nossa existência contínua.” No palco, essa voz se multiplica em corpos indígenas, trans e negros que não pedem licença para ocupar o espaço: “São corpos que se afirmam como beleza, como liberdade e como um novo imaginário.”

Além de ser um desdobramento do álbum lançado em 2024 (que escutamos e amamos), o show que Guajajara prepara para o festival também é uma extensão natural da sua trajetória artística. Com 18 faixas que cruzam funk, french house, amapiano e eletrônica, o trabalho é uma ponte entre as sonoridades contemporâneas e a música popular originária dos povos indígenas. Para ela, essa mistura não apaga suas raízes, pelo contrário: “Eu me sinto mais forte, mais consciente da minha responsabilidade e também mais livre. O Forest Club abriu portas e mostrou que a música indígena pode dialogar com o pop sem perder sua alma.”
Kaê Guajajara
Divulgação/Maria Luíza Dácio
No palco, essa identidade híbrida se traduz em uma performance que vai além do musical. A presença de corpos indígenas, trans e negros no centro da cena é intencional e fundamental para a mensagem que ela quer passar. “Essas presenças são a base do meu trabalho. Elas trazem verdade, porque não dá para falar de futuro sem esses corpos”, explica. “O palco ainda é negado a muitos de nós, então estar ali já é um ato político. Mas é também uma celebração — cada dança, cada gesto, cada voz é uma resposta à tentativa de apagamento.”
Kaê destaca que, para ela, a política e a beleza andam juntas, formando um novo imaginário no palco. “São corpos que não pedem licença, eles se afirmam como beleza, como liberdade e como um novo imaginário. E isso não é só estética, é potência.” O espetáculo traz novidades que reforçam essa potência. “Dessa vez, os bailarinos também cantam. E damos luz ao Vogue juntamente com travestis. Pensei nessa apresentação desde que vi o show de Lady Gaga bem pertinho. Vi que eu tinha liberdade para fazer o que eu quisesse no palco, foi como me libertar.” Essa mistura de referências pop e ancestralidade é um dos grandes trunfos da apresentação, que amplia os limites do que se espera de um show de música indígena.
Kaê Guajajara
Divulgação/Maria Luíza Dácio
Outro elemento carregado de significado é o figurino, que a artista escolheu como um ato de resistência e denúncia. “Ele escorre pelo meu corpo como se estivesse derretendo, como a floresta que queima e se desfaz diante dos nossos olhos. Cada pedaço do tecido é um lembrete da urgência, um grito silencioso contra a destruição. Não é só moda, é denúncia. É a tradução do que sinto quando vejo a floresta em chamas: a dor que derrete a pele, a memória e a vida que somos.”
Sobre sua posição como a única mulher indígena no lineup do festival, Kaê não minimiza a responsabilidade que isso traz. “É um peso e um orgulho. Estar sozinha nesse lugar revela o quanto ainda precisamos avançar, mas também mostra que a porta está aberta.” Ela aproveita para deixar um recado forte para as mulheres indígenas que virão depois dela: “Para as próximas, eu quero dizer: entrem sem medo, tragam suas vozes, seus corpos, suas histórias. Não precisamos caber no molde de ninguém, o palco é nosso também.”
Kaê Guajajara
Divulgação/Maria Luíza Dácio