Justiça reconhece união poliafetiva; relação é regida por regras de sociedade

Uma decisão da Justiça de São Paulo deu publicidade a um contrato particular de união poliafetiva entre três homens em Bauru, no interior de São Paulo, validando um arranjo afetivo e patrimonial ainda sem previsão no ordenamento jurídico brasileiro. O caso, que envolve Charles Trevisan, Kaio Alexandre dos Santos e Diego Trevisan, foi julgado em julho pela juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão, que reconheceu o direito dos conviventes de registrarem a relação em um documento, mesmo sem os efeitos legais típicos de uma união estável ou casamento.

A formalização do vínculo — chamada “Termo de União Estável Poliafetiva” — foi registrada em um cartório de Títulos e Documentos. O contrato estipula uma comunhão universal de bens, mudança nos nomes civis e regras de convivência entre os três. Mas, conforme esclarece Rodrigo Forlani, sócio do contencioso cível do Machado Associados, o instrumento tem validade apenas entre as partes e não confere direitos automáticos perante terceiros.

Leia Mais: Guarda provisória do filho de Marilia Mendonça dá ao pai direito à fortuna? Entenda

“Não há presunção legal de comunhão de bens. Caso haja dissolução da relação, o patrimônio será dividido com base na comprovação da contribuição de cada um, como ocorre em sociedades informais”, explica Forlani.

Apesar de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ter proibido, desde 2018, o registro em cartório de uniões poliafetivas, a norma não impede o reconhecimento judicial dessas relações. Ainda assim, o Brasil não reconhece este tipo de vínculo como uma entidade familiar. A decisão reforça que, na ausência de legislação específica, o contrato firmado entre os três funciona como uma sociedade de fato — útil para organizar regras internas, proteger patrimônios adquiridos em conjunto e oferecer alguma segurança jurídica.

Implicações econômicas

Na prática, esse tipo de arranjo pode ser importante para a gestão patrimonial entre os envolvidos. Se, por exemplo, o trio adquirir um imóvel em conjunto, a partilha, em caso de separação, deverá seguir a lógica da comprovação individual de aportes — e não as regras do Direito de Família aplicadas a casamentos ou uniões estáveis entre duas pessoas.

Não dá direito também a inclusão em plano de saúde, por exemplo, como é feito na união estável. Além disso, não há herança automática. Caso um dos membros venha a falecer, os demais não serão reconhecidos como herdeiros legais, mas poderão reivindicar eventuais créditos ou participações patrimoniais por meio da Justiça.

Para Forlani, esse tipo de contrato não representa o reconhecimento formal de um novo modelo de família pelo Estado, mas pode ser um indicativo de transformações sociais em curso.

“Trata-se de um documento privado que busca publicidade e segurança entre as partes. É como uma sociedade civil, não uma união familiar nos termos da lei. O Direito ainda não acolheu esse tipo de vínculo — mas a realidade social pressiona por respostas jurídicas”, afirma o advogado.

A própria juíza responsável pela sentença destacou que não há ilegalidade no contrato celebrado, e citou estudos e precedentes internacionais — especialmente na Europa — que vêm lidando com arranjos familiares não tradicionais, incluindo múltiplas parentalidades.

Sinais de mudança

A decisão não representa uma mudança de paradigma legal, mas sim um avanço na forma como o Judiciário lida com novas configurações sociais. “O ordenamento jurídico ainda não reconhece uniões poliafetivas como entidade familiar, mas também não as proíbe. O que se vê aqui é uma tentativa de dar alguma estrutura a um fato social cada vez mais presente”, conclui Forlani.

infomoney.com.br/">InfoMoney.