A decisão de Donald Trump de impor tarifas comerciais de 50% a produtos brasileiros pode acabar gerando um efeito contrário ao desejado: impulsionar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um precedente recente ajuda a ilustrar essa hipótese — e ele vem de vizinhos próximos do republicano: México e Canadá.
Em 2024, o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau enfrentava uma crise de popularidade, com o Partido Liberal mais de 20 pontos atrás dos conservadores liderados por Pierre Poilievre. Mas sua imagem mudou após ser alvo de ataques públicos de Donald Trump, que o chamou de “governador do 51º estado americano”, além de impor tarifas comerciais ao país.
A resposta de Trudeau, com apelos à soberania canadense, gerou reação positiva nas pesquisas e reaproximou os liberais dos conservadores. O primeiro-ministro acabou renunciando em janeiro de 2025, mas o Partido Liberal — sob nova liderança de Mark Carney — venceu as eleições nacionais, mesmo sem maioria absoluta.
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Proximidade de caso do México
Apesar da semelhança, Josué Medeiros, cientista político e professor da UFRJ, coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL), aponta que o caso brasileiro pode ter mais afinidade com o da presidente do México, Claudia Sheinbaum.
Segundo ele, Trudeau estava em plena corrida eleitoral quando foi atacado por Trump, enquanto Lula ainda está longe da disputa de 2026. Já Sheinbaum, mesmo no início de seu governo, cresceu nas pesquisas ao responder de forma firme à retórica agressiva de Trump.
“Sheinbaum apostou num discurso de ‘México para os mexicanos’ e reagiu com vigor às primeiras ameaças de tarifas”, lembra Medeiros. “Ela mobilizou a sociedade civil e sua popularidade cresceu. No Brasil, vemos um movimento semelhante começando, com Lula usando a narrativa de defesa do país para reposicionar seu governo”.
Para o cientista político, o governo brasileiro ainda colhe os frutos da vitória narrativa recente nas redes sociais sobre desigualdade e taxação dos mais ricos, e pode encontrar na crise com Trump um novo eixo mobilizador: o anti-imperialismo.
Nacionalismo e soberania na agenda
A análise converge com a de Christian Lynch, professor do IESP-UERJ, que vê nesse episódio a chance de a esquerda brasileira abandonar o papel defensivo e recuperar bandeiras tradicionais, como a luta contra o imperialismo e a defesa dos trabalhadores.
“O ataque externo dos Estados Unidos à soberania brasileira pode reativar o discurso clássico da esquerda, com apelo nacionalista. Isso devolve protagonismo ao governo e encurrala a extrema-direita, que segue associada ao trumpismo”, afirma Lynch.
Essa leitura é compartilhada por Medeiros, que também enxerga na crise uma oportunidade estratégica para o governo Lula.
Para ele, a confrontação simbólica com Trump permite à esquerda reorganizar sua narrativa em torno de temas com forte apelo popular, como soberania nacional e proteção econômica, sem necessariamente romper com a moderação que o Planalto tem buscado na arena internacional.
Potencial de reconfiguração política
O sucesso desse movimento, no entanto, depende de como o governo Lula irá administrar os desdobramentos da crise. Para Lynch, se bem conduzido, o discurso pode reenergizar as bases do lulismo e tornar o presidente novamente franco favorito para 2026.
“O resultado, bem administrado, é que a esquerda volta a ter um discurso consistente do ponto de vista eleitoral”, conclui. “São tópicos capazes de mobilizar novamente as pessoas que se engajaram desde a emergência da Lava Jato. Não há como haver extrema-direita com a esquerda desmobilizada. Era uma fatalidade que, em algum momento, acontecesse o que está acontecendo agora”.
Segundo o professor, o Brasil tornou-se um alvo simbólico para Trump por diversos motivos: ocupa a presidência dos BRICS, sediou a última cúpula do grupo e é liderado por Lula, que se contrapõe abertamente ao bolsonarismo — movimento político diretamente inspirado no trumpismo.
“O Brasil virou um péssimo exemplo para a extrema-direita americana. Aqui, Bolsonaro está sendo punido. Lá, Trump não foi”, resume.
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