O setor de construção civil está no centro da crise que pode abalar o pilar de infraestrutura. De acordo com o Monitor RGF da Recuperação Judicial, o índice de empresas em recuperação judicial no grupo de Construção, Energia e Saneamento chegou a 4,12 por mil empresas em atividade, mais que o dobro da média nacional (1,98), ao fim do primeiro trimestre de 2025. Mais de 80% das companhias em recuperação atuam diretamente com incorporação e construção, segundo a consultoria RGF, responsável pelo levantamento.
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Com base apenas em casos já aceitos pela Justiça, o monitor aponta para uma pressão sistêmica sobre o setor. “Apesar de ser um segmento historicamente cíclico, a construção civil vem acumulando desafios que têm tornado a recuperação judicial uma saída recorrente, especialmente entre as pequenas e médias incorporadoras”, afirma Rodrigo Gallegos, sócio da RGF e especialista em reestruturação.
Segundo ele, a combinação de juros altos, crédito escasso e custos crescentes de insumos como cimento e aço reduziu drasticamente a margem das incorporadoras — sobretudo aquelas que atuam em faixas de imóveis mais econômicos, como no programa Minha Casa, Minha Vida. “Esses projetos já operam com margem apertada. Qualquer desvio de custo coloca a operação em risco”, complementa.
Concentração de crises
O número elevado de empresas em recuperação no setor também está relacionado a uma característica estrutural: a prática que obriga as incorporadoras a abrir uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) para cada novo empreendimento. Com isso, quando o grupo entra em crise, centenas de CNPJs diferentes entram no pedido de Recuperação Judicial (RJ), o que dá a impressão de uma crise pulverizada, quando na verdade se trata de um único grupo econômico em dificuldade.
Mas o impacto não se restringe às incorporadoras. A quebra de uma empresa do setor pode levar toda a cadeia consigo. “Quando uma incorporadora entra em recuperação, todo o ecossistema acaba sendo comprometido, incluindo construtoras parceiras, fornecedores de insumos e até os prestadores de serviço”, explica Gallegos.
Ciclo longo, risco alto
O modelo de negócio da incorporação exige um apurado planejamento financeiro de longo prazo, segundo o especialista. Isso porque antes mesmo de iniciar a construção, há custos elevados com a compra de terrenos, licenciamentos de projetos e até mesmo os custos com marketing. “Do início do projeto até a venda efetiva de um imóvel pode-se levar mais de três anos. O tempo longo até a geração de caixa exige musculatura financeira e domínio técnico que nem todas as empresas possuem”, afirma Gallegos, que já atuou na reestruturação de várias companhias.
Segundo ele, as incorporadoras mais estruturadas têm mais capacidade de enfrentar os ciclos econômicos. Já as pequenas e médias, que não têm esse domínio, sentem o impacto direto em momentos como agora de juros muito altos, assim como inflação pesando nos custos e a volatilidade do crédito.
“A combinação entre crédito caro para o consumidor e dificuldade de financiamento para a produção tem travado novos lançamentos e forçado muitas empresas a revisar projetos inteiros, mesmo com a demanda aquecida e o desemprego em baixa”, avalia.
Caminhos possíveis
O especialista aponta quatro pilares estratégicos para a sustentabilidade das incorporadoras:
- Planejamento financeiro rigoroso;
- Diversificação de fontes de funding;
- Excelência na execução de obras;
- Relacionamento institucional forte para mitigar riscos regulatórios.
“O know-how integrado dessas competências é o único amortecedor eficaz diante da volatilidade extrema do setor”, afirma Gallegos. Não por acaso, grandes bancos já passaram a exigir a contratação de empresas especializadas para acompanhar a saúde financeira das SPEs e liberar recursos conforme a aderência aos cronogramas físicos e financeiros dos empreendimentos.
Perspectivas
Mesmo com o déficit habitacional elevado, o setor deve continuar enfrentando dificuldades, principalmente enquanto o cenário macroeconômico seguir desafiador. “A tendência é que as recuperações judiciais sigam em alta. A construção civil, assim como o agronegócio, é altamente impactada pela falta de capital e com forte capacidade de contaminação. Quando uma empresa quebra, a crise se espalha rápido”, diz o especialista.
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