China desafia EUA na corrida global por liderança em inteligência artificial

Enquanto o Ocidente ainda debate os impactos da inteligência artificial (IA), a China avança com uma velocidade impressionante. A avaliação é unânime entre especialistas em tecnologia e venture capital que acompanham de perto o desenvolvimento da IA nos dois maiores polos de inovação do mundo: Estados Unidos e China.

“O ambiente regulatório na China permite uma implementação muito mais rápida e abrangente das novas tecnologias”, afirmou Ning Kang, sócio da IDG Capital. Segundo ele, o governo chinês tem atuado não apenas como regulador, mas como impulsionador estratégico da IA — o que acelera desde pesquisas até a aplicação em larga escala.

Aileen Chang, da Tashi Capital, acrescentou que a China já colhe frutos dessa estratégia. “Há um apoio forte ao ecossistema de startups, universidades e empresas de tecnologia. O ritmo chinês é difícil de acompanhar, até mesmo para os Estados Unidos”, disse.

As falas aconteceram durante o painel de encerramento da 4ª Conferência Institucional da XP, evento paralelo à Expert XP. A conversa foi conduzida por Ricardo Geromel, autor do livro O Poder da China, que destacou a mudança no cenário comercial global.

“Os Estados Unidos deixaram de ser o principal parceiro comercial do Brasil em 2009. Desde então, é a China. E mesmo com o volume recorde de negócios, ainda tratamos isso como secundário”, afirmou.

Geromel provocou a plateia ao perguntar quem já havia visitado a China — poucas mãos se levantaram. Quando a mesma pergunta foi feita em relação aos Estados Unidos, a maioria respondeu positivamente. “Ignoramos o impacto da China no mundo porque ainda olhamos o planeta com lentes norte-americanas”, disse.

Ron Cao, sócio da Sky9 Capital, reforçou que a disputa entre os dois países está apenas começando, mas que a vantagem competitiva chinesa não pode ser subestimada. “Os Estados Unidos lideram em pesquisa, mas a China lidera em execução. No mundo da IA, velocidade é essencial”, afirmou.

China no centro da tempestade

Criador do fundo que apoiou gigantes como Meituan, ByteDance (TikTok) e Pinduoduo (Temu), Ron Cao disse que a inteligência artificial tem sido um dos focos de seus investimentos nos últimos cinco anos.

“É um tema discutido constantemente na China, assim como no Vale do Silício. Essa corrida será liderada por empresas chinesas e americanas”, afirmou Cao. Segundo ele, a startup chinesa Moonshot AI, apoiada por seu fundo, é uma das protagonistas.

“Eles lançaram recentemente o Kimi K2, modelo considerado o mais poderoso da China atualmente, especialmente em tarefas como escrita de código e execução de funções autônomas. Em algumas áreas, ele supera os modelos americanos”, garantiu.

Cao ressaltou que o Kimi K2 é de código aberto e gratuito. “Nós o usamos internamente para avaliar referências de empresas. O modelo nos alertou que algumas recomendações estavam ‘adocicadas’, ou seja, eram referências ruins — algo que nossos analistas não haviam percebido.”

Segundo ele, o país está “no olho da tempestade” no que diz respeito ao desenvolvimento de modelos de IA. “As empresas chinesas estão globalmente abertas, diferentemente das americanas, mais fechadas. Isso cria oportunidades para países como o Brasil, a Índia e outros mercados emergentes”, completou.

Três frentes de investimento em IA

Ning Kang, diretor executivo da IDG Capital — investidor de nomes como Shein, ByteDance e diversas montadoras de veículos elétricos — reforçou a relevância estratégica da IA no país.

“Estamos alocando capital em três níveis de oportunidade na China: infraestrutura (como data centers e hardware), modelos de linguagem, e aplicações comerciais”, explicou. Um dos investimentos recentes da IDG é a Minimax, empresa de modelos de linguagem que, segundo Ning, tem mostrado avanços significativos no lançamento de aplicações.

Ele destacou o impacto da DeepSeek, modelo de IA chinês que surpreendeu o mercado em 2025. “Ficou claro que o espaço entre os modelos da China e dos EUA não é tão grande quanto muitos imaginavam. A diferença de custo também impressiona: a China consegue resultados muito similares com custos bem menores.”

Na prática, a IA já está sendo aplicada em diversos setores, como carros autônomos. “Se você for ao segundo maior aeroporto de Pequim, pode pedir um carro sem motorista e chegar ao centro da cidade — cerca de 50 quilômetros — com total autonomia”, contou.

Além disso, robótica industrial, logística, biotecnologia e desenvolvimento de software são outras frentes ativas de investimento da IDG.

Valor com IA, mas sem hype

Aileen Chang, fundadora da Tashi Capital Management e conhecida por sua abordagem de investimento baseada em valor, também vê a IA como uma realidade inegável — mas com cautela.

“Uso ferramentas de inteligência artificial todos os dias na pesquisa. Não consigo mais viver sem elas. Mas, como investidora de valor, fico longe das tecnologias da moda na hora de aplicar capital”, disse.

Ainda assim, ela avalia o uso da IA como fator de produtividade. “Na China, toda empresa com que falo diz que está usando IA. Mas, para saber se é real ou só discurso, observo a equipe de análise de dados. Se a IA está mesmo incorporada, o número de analistas cai pela metade. É um sinal claro de ganho de eficiência”, explicou.

Chang compartilhou ainda o exemplo de uma empresa de seu portfólio que fabrica chips para Internet das Coisas (IoT).

“Antes eu achava que dispositivos conectados, como uma máquina de lavar controlada por smartphone, eram só truque de marketing. Mas, com IA, esses aparelhos conseguem, por exemplo, operar nos horários de energia mais barata, ou detectar se uma roupa desbotou e avisar o usuário. Isso tem valor real.”

Apesar da tecnologia, Chang comprou essa ação por outro motivo: “A empresa tinha 50% do market share global, gerava caixa, pagava dividendos e estava sendo negociada abaixo do valor patrimonial. Eu basicamente comprei ela de graça.”

Para Geromel, por fim, ficou claro que, embora os modelos chineses avancem com rapidez e custos competitivos, a corrida pela liderança em IA continua aberta.

“China e Estados Unidos são os protagonistas dessa revolução. Mas o impacto será global”, concluiu.

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