Como obter passaporte europeu com novas regras de imigração e cidadania?

Nos últimos meses, três dos destinos mais cobiçados por brasileiros em busca de cidadania europeia — Itália, Portugal e Espanha — apertaram o cerco em torno das políticas migratórias. Embora cada país atue por motivações e com métodos distintos, o movimento tem causado apreensão em quem planejava iniciar o processo de reconhecimento de cidadania ou migrar para o continente.

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Na última quinta-feira (17), o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, sancionou a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), que ficará sob responsabilidade da Polícia de Segurança Pública (PSP). Informalmente chamada de “Polícia de Estrangeiros”, a UNEF terá entre suas funções o controle da permanência de imigrantes no país — e marca o fim da política de portas abertas adotada nos últimos anos.

“O que está mudando em Portugal é o regime migratório, com foco nos vistos e na autorização de residência. A proposta não atinge diretamente os pedidos de cidadania por ascendência”, explica Graziela Bonifácio, gerente executiva da Cidadania4U. “Mas há novos critérios: é preciso comprovar laços culturais com Portugal. A exigência aumentou.”

Segundo a advogada Elaine Brito, especializada em imigração, a medida busca ordenar o fluxo de entrada. “Portugal foi o país que mais recebeu brasileiros nos últimos anos, e muitos vinham como turistas e depois tentavam regularizar a situação. Agora, o processo precisará começar nos consulados, com a obtenção do visto antes da chegada ao país.”

Para a advogada Daniela Vlavianos, sócia do Poli Advogados & Associados, a aprovação do novo pacote legislativo em Portugal é reflexo de uma tendência crescente de endurecimento das políticas migratórias em parte da União Europeia, especialmente em países sob pressão política interna ou com desafios estruturais.

“Portugal mudou de postura após anos de política mais aberta. A extinção da manifestação de interesse, amplamente usada por brasileiros, é um marco. Mas o movimento não é uniforme: países como Alemanha e Espanha ainda mantêm políticas mais acolhedoras, principalmente voltadas à migração qualificada”, explica Daniela.

A Itália, por sua vez, tem seguido uma linha ainda mais dura. Governada por uma coalizão conservadora, adotou medidas que impactam inclusive o tradicional direito à cidadania por descendência (ius sanguinis). Um novo decreto-lei excluiu a cidadania de descendentes nascidos fora do país, mesmo com vínculo comprovado.

“O decreto é claramente inconstitucional. Fere o princípio da continuidade da cidadania italiana por sangue, e já está sendo contestado”, afirma Rafael Gianesini, CEO da Cidadania4U. “É um contrassenso: num momento em que a Itália enfrenta declínio populacional e precisa atrair mão de obra, restringir o acesso à cidadania para descendentes legítimos.”

O advogado Fábio Dias, especialista em cidadania italiana, acredita que a Corte Constitucional do país deve derrubar a nova regra até março de 2026. “É um direito consolidado e com respaldo histórico e jurídico. A diáspora italiana moldou a cultura de países como Brasil, Argentina e Estados Unidos. Negar isso é negar a própria identidade italiana.”

A advogada Mariella Rocha, chefe da área de societário do Fonseca Brasil, destaca que a Itália também tem investido em acordos bilaterais com países da África e nos processos de deportação acelerada, como parte de uma política de dissuasão da imigração irregular.

“O cenário europeu está cada vez mais formalizado. O caminho agora é via legal, com vistos obtidos no país de origem e foco em mão de obra qualificada. A regularização espontânea após entrada, como era possível em Portugal, está desaparecendo”, diz Mariella.

Espanha na contramão

Enquanto Itália e Portugal restringem acessos, a Espanha parece seguir na direção contrária — ao menos em relação à cidadania por ascendência. Em vigor até outubro de 2025, a chamada Lei da Memória Democrática facilita o acesso à nacionalidade para descendentes de espanhóis, como forma de reparar os impactos do exílio causado pela Guerra Civil e pela ditadura franquista.

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“A lei não se aplica aos imigrantes comuns, mas sim a quem comprova vínculo familiar. É uma forma de reconexão histórica, e um estímulo à imigração com base em raízes culturais”, explica Fábio Dias.

A Espanha também promove medidas para atrair talentos estrangeiros, como o visto para nômades digitais e regras simplificadas para startups. Segundo Graziela Bonifácio, o país reconhece o papel positivo da imigração na economia: “A chegada de estrangeiros ajudou a elevar o PIB espanhol. Agora, a política migratória está sendo organizada, não necessariamente restringida.”

Um continente e suas diferenças

Apesar das diferenças entre os países, a tendência geral na Europa é de maior controle nas fronteiras e foco em migração legal e qualificada, observa Mariella Rocha. “Há um esforço da União Europeia para harmonizar políticas e fechar brechas. O Novo Pacto da UE sobre Migração e Asilo, que entra em vigor em 2026, deve reforçar esse cenário.”

“As portas não estão fechadas, mas estão mais formais e exigentes. Quem quiser viver na Europa precisa se preparar: ter qualificação, plano de longo prazo e documentação em ordem.”

Segundo Daniela Vlavianos, o fator político também é decisivo nesse novo ciclo. “Partidos populistas e de direita vêm ganhando força, e isso pressiona governos a adotar discursos mais duros sobre imigração. O desafio é equilibrar isso com as demandas econômicas e com os direitos internacionais.”

O que fazer agora?

O recado dos especialistas é claro: para quem deseja obter cidadania europeia por ascendência, o momento é de agir com rapidez e garantir os direitos antes que mais mudanças ocorram. Já para quem pretende migrar por outras vias, como estudo, trabalho ou casamento, o planejamento será cada vez mais essencial.

“Cada país tem sua lógica e contexto. Não há um movimento unificado. O que vemos é uma tentativa de reorganizar a casa diante de um novo ciclo migratório”, conclui Elaine Brito.

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