A Players’ Justice Foundation (JfP), entidade com sede na Holanda, deu início a uma ação coletiva contra a Fifa que pode provocar mudanças profundas nas relações entre jogadores e clubes no futebol europeu. O processo foi protocolado no tribunal distrital de Midden Nederland e contesta o atual sistema de transferências mantido pela entidade máxima do futebol, alegando que ele contraria direitos fundamentais garantidos pelas leis trabalhistas da União Europeia.
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O ponto central da disputa é a dificuldade enfrentada por atletas para romper seus contratos antes do término, mesmo sem justa causa, sem sofrer sanções severas. A fundação argumenta que as normas atuais impõem barreiras à liberdade profissional dos jogadores e desrespeitam princípios como a livre circulação de trabalhadores e a concorrência no mercado.
Essa ofensiva jurídica surge na esteira do caso envolvendo o francês Lassana Diarra. Em julgamento recente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) considerou que os regulamentos da Fifa violavam a legislação do bloco ao limitar as opções de trabalho do jogador após sua saída do Lokomotiv Moscou.
Em 2014, Diarra se desligou do clube russo alegando insatisfação com cortes salariais, mas acabou sendo condenado pela Câmara de Resolução e Disputas da Fifa a pagar 10,5 milhões de euros por rescisão contratual sem justificativa aceita. O episódio travou sua carreira: durante um ano, nenhum clube quis contratá-lo por medo de herdar a dívida imposta.
O meio-campista chegou a negociar com o Charleroi, da Bélgica, mas a transferência não se concretizou porque o clube exigia garantias da Fifa de que não haveria responsabilidade financeira — o que não foi confirmado. Diante do impasse, Diarra recorreu à Justiça contra a Fifa e a liga belga, e o processo acabou chegando ao TJUE.
A corte europeia analisou o Regulamento da Fifa sobre o Status e Transferência de Jogadores (RSTP) e entendeu que o modelo atual, que prevê responsabilidade solidária do novo clube em casos de rescisão sem justa causa, é incompatível com o direito europeu.
Agora, a fundação holandesa tenta expandir o impacto dessa decisão. A ação movida pretende abranger todos os atletas profissionais que jogaram em clubes da União Europeia ou do Reino Unido entre 2002 e os dias atuais e que, de alguma forma, tenham sido prejudicados pelas regras da Fifa. Estima-se que o número de jogadores envolvidos possa chegar a 100 mil.
O advogado Jean-Louis Dupont, que representou Diarra no processo europeu, participa da nova ação como conselheiro jurídico da Players’ Justice Foundation. Um dos fatores que tornam a Holanda o local escolhido para a ação é o fato de sua legislação permitir que qualquer profissional que tenha atuado no continente ou no Reino Unido possa buscar reparação trabalhista no país.
O sindicato global dos jogadores, FIFPro, divulgou nota reconhecendo o direito dos atletas de recorrer à Justiça em busca da defesa de seus interesses. O braço europeu da entidade, porém, afirmou que ainda não fez uma avaliação completa sobre o mérito da ação.
Com potencial para transformar o sistema de transferências do futebol mundial, o processo reacende debates sobre os limites da regulamentação esportiva e a necessidade de garantir que as normas respeitem os direitos fundamentais dos trabalhadores — mesmo em um universo multimilionário como o do futebol.
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