Estudo controverso sobre “vida no arsênico” é retirado do ar e autores rebatem

Uma polêmica está dando o que falar no mundo da ciência nesta semana final de julho — foi a retirada de um artigo de bioquímica do ar, publicado originalmente na revista Science em 2010. Nele, os autores afirmavam ter provado que alguns micróbios conseguiam usar arsênico para sobreviver, algo considerado impossível anteriormente. Os motivos para a atitude também são controversos. 

Arsênico, como seu uso nos venenos deixa claro, é tóxico, prejudicando os processos celulares necessários à vida. Há 15 anos, a cientista Felisa Wolfe-Simon, do Instituto de Astrobiologia da NASA, coletou uma cepa microbiana chamada GFAJ-1 do Lago Mono, nos Estados Unidos, repleto de arsênico. Cultivando o ser vivo numa placa de petri onde o fósforo (essencial para a vida) foi substituído pelo arsênico, sua equipe teria provado a possibilidade de vida no elemento químico.

A polêmica do arsênico

Da a importância do achado, a NASA, à época, anunciou que a descoberta impactaria a busca por vida extraterrestre significativamente — normalmente, buscamos sinais de carbono, hidrogênio, nitrogênio, fósforo, oxigênio e enxofre em outros planetas, já que são as substâncias que vemos serem usadas para o funcionamento da vida. Um novo elemento químico possível de ser sintetizado por formas de vida é algo realmente revolucionário.


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Imagem de microscópio mostrando a GFAJ-1, bactéria que supostamente consegue sobreviver com arsênico ao invés de fósforo nas moléculas (Imagem: Science/AAAS)
Imagem de microscópio mostrando a GFAJ-1, bactéria que supostamente consegue sobreviver com arsênico ao invés de fósforo nas moléculas (Imagem: Science/AAAS)

A publicação do artigo, em 2010, foi realmente impactante, mas trazia problemas. O fósforo, na forma de fosfato, é crucial para formar as moléculas de DNA e RNA — substituir a substância por arsênico degradaria o DNA quase instantaneamente. Respostas técnicas de outros cientistas sugeriram que as amostras microbianas poderiam estar contaminadas por fósforo do lago, sendo reaproveitado para que as formas de vida sobrevivessem.

Para completar, dois estudos publicados em 2012 tentaram replicar a pesquisa, e ambos verificaram que a GFAJ-1 tolera altos níveis de arsênico, mas não consegue usar o elemento como base para a vida, como afirmado pela equipe de Wolfe-Simon. À época, a Science não retirou o artigo do ar por não haver sinais de fraude ou manipulação nos dados, sendo, no máximo, um problema de contaminação ou método.

Desde então, no entanto, os padrões para retirada de artigos mudaram, segundo comunicado do editor-chefe da revista científica, Holden Thorp — agora, caso seja determinado que os experimentos reportados por um artigo não sejam suficientes para apoiar suas conclusões finais, considera-se apropriado tirá-lo do ar.

Cientistas rebateram o artigo de 2010 afirmando que o arsênico degradaria o DNA instantaneamente caso a bactéria entrasse em contato com a substância — teria sido a contaminação de fósforo a causa para o sucesso do experimento? (Imagem: kjpargeter/Freepik)
Cientistas rebateram o artigo de 2010 afirmando que o arsênico degradaria o DNA instantaneamente caso a bactéria entrasse em contato com a substância — teria sido a contaminação de fósforo a causa para o sucesso do experimento? (Imagem: kjpargeter/Freepik)

Wolfe-Simon e sua equipe rebateram a decisão afirmando que, embora o artigo pudesse ter sido escrito e discutido com mais cuidado, isso não deveria ser base para retirada do trabalho, que ainda consideram válido e útil para o debate científico.

Desde 2010, as controvérsias acerca do tema popularam o mundo científico, a ponto de ataques pessoais fazerem com que Wolfe–Simon saísse do ambiente acadêmico. No comunicado da ex-cientista e sua equipe, é afirmado que disputas acerca da conclusão de trabalhos e como a ciência explica as evidências são parte normal do processo científico. O que não podemos fazer, no entanto, é exceder o campo da experimentação e punir cientistas por erros de método. O editorial da Science não respondeu à réplica da equipe.

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