No dia 16 de julho de 1945, ano final da Segunda Guerra Mundial, foi feito o primeiro teste de uma arma atômica do mundo — o ultrassecreto Projeto Manhattan realizou, com sucesso, o teste nuclear Trinity. Feito num local remoto no Deserto Jornada del Muerto, no estado americano do Novo México, o experimento gerou uma coluna de fumaça de 9,14 km.
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O momento, recriado no filme vencedor do Oscar Oppenheimer (2023), foi assistido na vida real por militares e cientistas a 32 km de distância. A história foi contada com detalhes no livro Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu Americano, dos autores Kai Bird e Martin J. Sherwin, publicado no Brasil pela editora Intrínseca. Os escritores entrevistaram cientistas, suas famílias e conhecidos e relataram as reações dos presentes ao teste atômico de 80 anos atrás.
Trinity, o brilho e a fumaça roxa
Um dos presentes no teste Trinity foi Richard Feynman, renomado físico e educador científico que, como os outros, recebeu óculos escuros para poder olhar diretamente para o experimento. Achando que não veria nada, ele preferiu entrar na cabine de uma caminhonete que encarava Alamogordo, local do teste. Segundo ele, o vidro tinha um pára-brisa que bloqueava raios ultravioleta e o protegeria da luz cegante. Confira o teste real no vídeo abaixo:
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No momento da explosão, Feynman instintivamente se abaixou com o brilho da bomba atômica. Quando olhou para cima novamente, viu uma luz branca mudar para amarelo e, então, laranja. Em suas próprias palavras:
Uma grande bola alaranjada, com o centro muito brilhante, começou a subir e se espalhar em ondas, escurecendo nas bordas, então o que se vê é uma grande bola de fumaça com clarões no interior do fogo que sai, o calor.
Foi só um minuto e meio depois da explosão que Feynman ouviu o enorme estrondo da bomba, seguido pelo ribombar do impacto ecoando pelas montanhas ao redor. Outro cientista, James Conant, esperava um clarão rápido, mas viu uma luz branca tão intensa no momento do teste que “pensou que algo havia dado errado” — e que “o mundo inteiro havia queimado nas chamas”.
Robert Serber, amigo pessoal do cientista-chefe do Projeto Manhattan — J. Robert Oppenheimer — e também cientista da iniciativa, estava deitado de barriga para baixo e segurava um visor de proteção de soldador na frente dos olhos. Ele mesmo escreveu que “é claro, bem na hora em que meu braço cansou e eu abaixei o visor de vidro, a bomba explodiu. Fui totalmente cegado pela explosão.”
Cerca de 30 segundos depois, a visão de Serber voltou, e então ele relatou ter visto uma coluna violeta brilhante subindo entre 6.000 e 9.000 metros, e disse “ter sido capaz de sentir o calor no rosto a 32 km de distância”. Joseph Hirschfelder, químico cuja função era medir a poeira radioativa resultante da explosão, descreveu o momento da seguinte forma:
De repente, a noite virou dia, ficando tremendamente brilhante, com o frio virando calor; a bola de fogo gradualmente foi de branco para amarelo e então vermelho, crescendo e subindo pelo céu; depois de cerca de 5 segundos, a escuridão voltou, mas com o céu e o ar preenchidos por um brilho roxo, como se estivéssemos cercados pela aurora boreal… ficamos lá, admirados, enquanto a explosão jogava poeira do deserto por nós.
A reação de Oppenheimer
Frank Oppenheimer estava ao lado de seu irmão, Robert, quando o “artefato” explodiu. Deitado no chão, ele viu o clarão penetrar e refletir pelo chão mesmo de olhos fechados. Ele descreveu ter visto a bola de fogo e, em seguida, uma nuvem que “não era deste mundo”, muito brilhante e roxa. Ele pensou que ela poderia cobrir toda a área e engolir todos os presentes, e não esperava que ficasse tão quente.
Em seguida, ouviu o eco da explosão nuclear ir para lá e para cá nas montanhas, e relatou que o mais terrível foi “a nuvem roxa, escura da poeira radioativa, pairando, sem saber se ela ficaria no deserto ou viria para cima de nós”. Robert, o diretor do projeto, estava do lado de fora do bunker de controle, a 9 km do marco zero da explosão. Quando faltavam dois minutos para o evento, ele murmurou: “Senhor, esses assuntos são pesados para o coração”.
Um general relatou ter observado Oppenheimer de perto durante a contagem regressiva, notando que o cientista ficava mais tenso à medida que os últimos segundos chegavam. Ele mal respirava, e olhava fixamente para a frente nos últimos instantes. Quando o anunciante gritou “Agora!” e o clarão veio, a expressão do chefe relaxou, num alívio tremendo.
Não se sabe exatamente o que passou pela cabeça de Robert no momento da explosão, mas seu irmão se lembra de ambos terem dito “acho que funcionou”. Em uma entrevista posterior, o cientista-chefe diz ter pensado na frase do livro hindu Bhagavad Gita, “Então tornei-me a morte, a destruidora de mundos”. O físico Isidor Rabi, que participou do projeto e era amigo pessoal de Oppenheimer, disse ter se arrepiado ao ver o chefe logo após o evento:
Nunca esquecerei do caminhar dele; nunca esquecerei do jeito que ele saiu do carro… seu andar era como o de um caubói que acabou de vencer um duelo… era como o de alguém vencedor.
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