Governo autoritário da Venezuela tem um novo alvo: economistas

BOGOTÁ, Colômbia — O presidente autocrático da Venezuela, Nicolás Maduro, já esmagou a oposição, prendeu juízes e políticos, e até deteve cidadãos americanos para usar como moeda de troca em negociações internacionais.

Agora, ele está indo atrás de uma profissão que normalmente não era considerada arriscada na Venezuela: os economistas.

Especialistas dizem que o governo busca controlar a narrativa sobre a crise financeira cada vez mais profunda do país, mirando especialistas independentes que compartilham dados sobre a economia em colapso.

Cerca de duas dezenas de economistas e outras pessoas envolvidas na publicação de dados financeiros foram detidas nos últimos dois meses, segundo um grupo de direitos humanos e o próprio governo venezuelano.

“É basicamente uma política de ‘atire no mensageiro’”, disse Phil Gunson, analista do International Crisis Group que vive na Venezuela há mais de duas décadas.

O Banco Central da Venezuela há anos não divulga dados confiáveis sobre indicadores-chave como a inflação, deixando os economistas a cargo de preencher essas lacunas com estimativas independentes.

“É meio que a teoria da Sininho da economia”, acrescentou, referindo-se ao esforço de Maduro para abafar qualquer notícia econômica ruim. “Se você acredita nela, então a luz dela continua a brilhar”.

Vendedores no Mercado de Coche, um enorme mercado atacadista de produtos agrícolas, em Caracas, 16 de julho de 2025. Com a inflação disparando devido às novas sanções do presidente Trump, as autoridades venezuelanas tentam conter a piora da situação financeira do país. (Foto: The New York Times)

A campanha do governo tem assustado economistas e outros responsáveis por sites de informações financeiras. Mesmo aqueles que vivem no exterior têm medo de falar publicamente, temendo represálias contra suas famílias ou funcionários.

Entre os economistas detidos está Rodrigo Cabezas, 69 anos, ex-ministro da Fazenda e professor de economia, que já foi membro do partido governista, mas depois se afastou e criticou as políticas econômicas de Maduro.

A filha de Cabezas, Rodna Cabezas, contou em entrevista que, no dia 3 de junho, funcionários da estatal de energia chegaram à casa da família em Maracaibo, no noroeste da Venezuela, alegando um problema na eletricidade. Pediram que o pai os acompanhasse para resolver a questão.

Mas depois ela disse que o pai ligou para avisar que era uma armadilha e que agentes de inteligência o estavam detendo. A família não tem notícias dele desde então, nem recebeu qualquer informação do governo.

“Não sabemos para onde o levaram”, disse Cabezas.

A família contratou um advogado, que também não conseguiu contato com ele. O pai dela precisa tomar remédios diariamente para pressão alta, contou.

“Está muito difícil”, disse ela. “Já não tenho mais lágrimas de tanto chorar. É como uma faca cravada no meu coração”.

A economia da Venezuela entrou em colapso há uma década, causada pela má gestão do governo e agravada pelas sanções dos EUA.

Com a hiperinflação chegando a 300.000% e a moeda local, o bolívar, perdendo valor rapidamente, os venezuelanos começaram a guardar suas economias em dólares americanos.

O Banco Central da Venezuela define uma taxa oficial de câmbio para o bolívar, mas a maioria das pessoas usa uma taxa não oficial, chamada dólar paralelo, divulgada por sites como o Monitor Dólar, que reflete o valor real do dólar nas ruas.

A taxa oficial costuma mostrar o bolívar um pouco mais forte do que realmente é, criando uma imagem mais favorável da economia. Mas a inflação está disparando, dizem os analistas, fazendo o bolívar perder valor e deixando os venezuelanos que recebem em moeda local com dificuldades para trocar por dólares.

“A taxa de câmbio dólar-bolívar é uma das variáveis-chave que o governo tenta controlar”, afirmou Gunson.

Ele disse que o governo acredita poder impedir a desvalorização do bolívar silenciando pessoas como os economistas que reportam a taxa não oficial. (E os números precisos da inflação não estão mais disponíveis porque o governo não os publica e persegue economistas independentes que o fazem).

Outros países da região, como a Argentina, já foram acusados de manipular dados econômicos em tempos de crise.

Especialistas dizem que a repressão na Venezuela contra economistas e grupos financeiros independentes reflete uma estratégia mais ampla do governo Maduro para suprimir dados e calar a dissidência, a fim de controlar a percepção pública.

O governo venezuelano não divulga estatísticas oficiais de epidemiologia desde 2016 e mantém em segredo dados sobre o aumento da mortalidade infantil por fome.

Distrito financeiro de Caracas, 16 de julho de 2025. Com a inflação disparando sob as novas sanções do presidente Trump, as autoridades venezuelanas tentam conter a piora da situação financeira do país. (Foto: The New York Times)

Sob o presidente Joe Biden, os EUA aliviaram as sanções ao petróleo que ajudaram a devastar as finanças do país, na esperança de pressionar o governo a realizar eleições livres e justas.

Com a inflação diminuindo, produtos do dia a dia ficaram mais acessíveis e a pobreza começou a cair.

Mas no ano passado, Maduro declarou vitória em uma eleição amplamente considerada fraudulenta por muitos governos, incluindo o dos EUA.

O presidente Donald Trump impôs novas sanções e revogou uma licença importante para a Chevron operar na Venezuela, cuja economia depende fortemente do petróleo. O colapso econômico do país deixou muitos venezuelanos cansados e sem esperança de que o governo encontre uma solução, dizem os analistas.

Segundo o grupo de direitos humanos Provea, pelo menos cinco economistas foram presos entre 29 de maio e 5 de junho. Alguns foram liberados, mas dois, incluindo Rodrigo Cabezas, continuam desaparecidos, sem informações sobre seu paradeiro ou acusações.

Pelo menos 20 pessoas ligadas ao Monitor Dólar foram detidas por reportar sobre o dólar paralelo, segundo Diosdado Cabello, principal vice-presidente e ministro do Interior de Maduro.

Cabello, em seu programa semanal na TV, denunciou economistas “que dizem que o bolívar não vale nada — essas pessoas estão brincando com fogo”.

As autoridades, acrescentou, estão atrás de “consultores disfarçados” que estariam alimentando a instabilidade financeira.

Mas o Observatório Financeiro Venezuelano, grupo independente que publica dados sobre a economia do país, afirmou que “não é crime compilar e divulgar números de preços”.

Sites financeiros como Monitor Dólar e a plataforma de criptomoedas El Dorado — onde as pessoas compram criptomoedas usando bolívares para trocar por dólares — fecharam em resposta à pressão do governo.

“Eu assumo a responsabilidade por qualquer impacto negativo gerado pelo aplicativo”, disse em vídeo Guillermo Goncalvez, um dos fundadores do El Dorado.

A situação de Cabezas e dos outros economistas desaparecidos é uma história familiar para ativistas de direitos humanos.

Nos últimos anos, tornou-se comum que as autoridades venezuelanas detenham pessoas e as mantenham indefinidamente em locais secretos, sem contato com familiares ou advogados.

“Hoje em dia, nada nos surpreende”, disse Gunson. “Parece que não existem mais regras. A lei, a constituição, nada mais importa”.

c.2025 The New York Times Company

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