Crédito fácil, risco alto: consignado CLT expõe falta de orientação e uso por impulso

Prometido como alternativa com juros mais baixos e facilidade de contratação, o chamado “consignado CLT” já movimentou mais de R$ 14 bilhões desde o seu lançamento. No entanto, uma pesquisa inédita da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin), em parceria com o Instituto Axxus, acende o alerta sobre essa modalidade de crédito destinada a trabalhadores com carteira assinada.

O que foi criado para ser uma solução acessível pode, na prática, estar aprofundando o desequilíbrio financeiro de inúmeras famílias brasileiras. A pesquisa aponta que os principais fatores por trás desse cenário são o desconhecimento sobre as taxas cobradas, o uso impulsivo do crédito e a ausência de orientação adequada no momento da contratação. 

Entre os 800 entrevistados pela pesquisa (metade tomadores efetivos do crédito e metade que apenas fizeram simulações), o principal motivo declarado para a contratação do consignado foi o pagamento de dívidas mais caras (36%), como o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial. Outros 29% usaram o recurso para cobrir despesas de saúde e 26%, para reformas domésticas.

A Abefin interpreta esses dados como um sinal de que o crédito tem sido usado como “alívio emergencial”, e não como instrumento de reestruturação financeira. “O tomador está apenas trocando um problema por outro menos agressivo, mas ainda assim preocupante”, observa a entidade.

Mesmo com a promessa de juros mais baixos, a taxa pode chegar a 7% ao mês — patamar elevado, especialmente se comparado a linhas tradicionais como o Crédito Direto ao Consumidor (CDC) ou o crédito automotivo.

Contratação do consignado CLT sem planejamento

Outro dado relevante: 19% usaram o crédito para adquirir bens como eletrodomésticos ou veículos. Embora não se trate de despesas emergenciais, a pesquisa mostra que essas contratações foram feitas sem comparações com outras modalidades de financiamento e, muitas vezes, sem planejamento prévio.

O levantamento ainda aponta que a contratação foi marcada por impulso, desconhecimento das alternativas e ausência de reserva financeira. Para a Abefin, o modelo de crédito se dissemina sem exigir contrapartidas mínimas de orientação, transparência ou comparação.

Junto a isso, 54% dos tomadores não receberam nenhum tipo de orientação antes da contratação. Muitos buscaram dados na internet (24%) ou com amigos (9%), enquanto apenas 5% encontraram informações nos canais oficiais da instituição financeira. “Em vez de informar, o sistema transfere ao trabalhador a responsabilidade integral pela decisão”, critica a Abefin.

Essa ausência de orientação também aparece nos dados sobre o conhecimento dos juros: 83% não sabem quanto estão pagando, e 69% não avaliaram o impacto do crédito sobre o orçamento mensal. Apesar disso, 87% afirmam não se arrepender da contratação.

Para a entidade, esse dado não revela satisfação real, mas um desconhecimento das consequências da contratação do consignado para o trabalhador. “É um falso sentimento de segurança gerado pela solução imediata de um problema”, aponta o relatório.

Inclusive, 99% dos entrevistados afirmam saber que as parcelas do consignado são descontadas diretamente do salário. Isso, porém, pode reforçar uma falsa sensação de controle. “Saber que o débito será automático não significa compreender as consequências dessa dedução no fluxo de caixa mensal”, reforça a Abefin.

Uso do FGTS pode comprometer o amanhã

A naturalização do uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia também preocupa a Abefin. Segundo o levantamento, 89% sabiam que o fundo seria vinculado ao contrato, mas ainda assim seguiram com a contratação.

“Estamos diante de uma banalização de uma reserva que deveria proteger o trabalhador em situações críticas, como demissão ou aposentadoria”, afirma a associação.

A entidade critica a falta de ponderação e debate público sobre o uso recorrente do FGTS como colateral em linhas de crédito para consumo. Embora permitida por lei, essa contratação é considerada arriscada por reduzir a margem de proteção futura em troca de uma liquidez imediata, que nem sempre é bem direcionada.

Indecisos apresentam riscos maiores

Os dados relativos ao grupo que apenas simulou o crédito, mas não contratou, indicam maiores vulnerabilidades. Cerca de dois terços (67%) não avaliaram adequadamente o impacto das parcelas no orçamento, e 53% não sabiam que os juros podem chegar a 7% ao mês.

Entre os motivos para a simulação do consignado CLT, destacam-se:

  • avaliar se o empréstimo seria vantajoso (42%);
  • necessidade urgente de dinheiro (29%);
  • facilidade de acesso (25%);
  • intenção de trocar dívidas mais caras (19%).

No entanto, a maioria não buscou orientação formal, visto que 58% sequer pretendem procurar ajuda especializada, e apenas 4% dizem que o farão futuramente. “Esse grupo é uma bomba-relógio prestes a explodir no sistema de crédito consignado”, alerta a Abefin.

A entidade chama atenção para o fato de que a falta de contratação, nesse caso, não reflete prudência, mas desinformação e dúvida. “Boa parte tende a seguir o mesmo caminho dos contratantes atuais: contratação desinformada, descontrole financeiro, endividamento e inadimplência.”

Recomendações da Abefin

A Abefin conclui que o crédito consignado pode ser uma alternativa legítima para lidar com urgências. Mas alerta que a forma como tem sido contratado — marcada por impulso, desconhecimento e ausência de apoio — transforma o instrumento em um risco estrutural.

“Não estamos diante apenas de decisões individuais mal calculadas, mas de um modelo de concessão que falha em proteger o consumidor”, aponta o levantamento. Inclusive, a associação cobra ações do Estado, das instituições financeiras e dos empregadores para frear o avanço de uma crise silenciosa.

Entre as medidas propostas estão:

  • Implementar campanhas obrigatórias de educação financeira antes da contratação;
  • Exigir simulações transparentes, com detalhamento do Custo Efetivo Total (CET) e comparações com outras linhas de crédito;
  • Criar uma plataforma pública de comparação de taxas, nos moldes dos simuladores de financiamento habitacional;
  • Fortalecer a fiscalização sobre as práticas de oferta de crédito e a comunicação feita aos consumidores.

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