O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu nesta terça-feira (22) a proibição das bets no Brasil, alegando falta de arrecadação e classificando as apostas online como “um problema de saúde pública” e uma “desgraça” para o país. Em entrevista exclusiva ao economista Eduardo Moreira, Haddad foi categórico: “Se fosse aparecer um projeto na Câmara Federal, continua ou para, eu apertava o botão do para. Não tem arrecadação que justifique essa roubada que nós chegamos”.
- Esquema malicioso inunda Play Store com apps falsos e afeta milhões de usuários
- Usa VPN? Falha neste cliente pode ter vazado o seu endereço IP
As declarações do ministro ganham respaldo técnico com a divulgação do relatório “State of Identity Verification in the iGaming Industry 2025”, obtido pelo Canaltech. O estudo feito pela Sumsub revela que a escalada de crimes no setor de bets tem se intensificado de forma dramática, especialmente na América Latina, onde as fraudes cresceram mais de 30% em 2024 — o maior em todo o mundo.
O cenário apresentado pela Sumsub valida as preocupações de Haddad sobre o uso de fintechs como veículos para lavagem de dinheiro e crime organizado. Na entrevista, o ministro revelou que o governo já está informando o Banco Central sobre instituições financeiras suspeitas e planeja incorporar a Polícia Federal no combate ao que classificou como “bet mais fintech igual a lavagem de dinheiro”.
–
Entre no Canal do WhatsApp do Canaltech e fique por dentro das últimas notícias sobre tecnologia, lançamentos, dicas e tutoriais incríveis.
–
Fraude nas bets é problema global
O cenário internacional de fraudes no setor de apostas online é bastante complexo, com cibercriminosos evoluindo suas táticas paralelamente às mudanças regulatórias em diferentes regiões. Globalmente, as taxas de fraude saltaram de 0,70% em 2023 para 1,39% no primeiro trimestre de 2025, praticamente o dobro das tentativas fraudulentas em todos os processos de verificação realizados mundialmente.
A inteligência artificial se consolidou como a principal ferramenta dos cibercriminosos. O relatório da Sumsub indica que 78% das empresas de apostas online enfrentaram fraudes utilizando IA para falsificação de documentos em 2024, com 34,3% dessas organizações considerando esse aumento suficiente para caracterizar uma nova tendência criminal. Essa evolução permitiu que fraudadores criassem documentos falsos altamente convincentes em escala industrial.
A dinâmica atual das fraudes também revela uma estratégia coordenada. Enquanto usuários legítimos costumam se registrar entre 16h e 18h, os criminosos concentram suas atividades entre 4h e 8h da manhã, explorando janelas de menor vigilância humana e antes do funcionamento pleno dos sistemas de compliance. Essa diferença de comportamento mostra como que as golpes no setor funcionam como operações profissionais organizadas, não como tentativas isoladas ou oportunistas.
Fraudes com IA disparam 830% no Brasil
A América Latina despontou como a região mais vulnerável a ataques cibernéticos no setor de apostas, registrando crescimento superior a 30% em 2024. Embora a taxa absoluta de 1,16% permaneça inferior a regiões como Europa (5,1%) e América do Norte (5,2%), a taxa de crescimento indica uma escalada preocupante que coincide diretamente com os processos de regulamentação implementados na região.
O Brasil se destaca nesse cenário. As fraudes utilizando deepfakes — vídeos ou imagens alteradas por inteligência artificial para enganar sistemas de verificação biométrica — são cinco vezes mais frequentes que nos Estados Unidos e dez vezes superiores às registradas na Alemanha. O crescimento de 830% nesse tipo específico de crime durante 2024 coloca nosso país como epicentro global dessa modalidade de golpe.
“O aumento coincide com a transição regulatória do Brasil, evidenciando como as tentativas de fraude se intensificam enquanto os operadores se adequam aos requisitos governamentais”, explica Kris Galloway, head de produtos de iGaming da Sumsub. Segundo o executivo, essa dinâmica faz com que “táticas inéditas se tornem comuns no arsenal dos cibercriminosos, que se organizam em redes sofisticadas para explorar vulnerabilidades nas plataformas”.
Para as empresas do setor, os riscos se distribuem praticamente de forma equilibrada entre fraudes de identidade (64,8%), lavagem de dinheiro (64,8%) e abuso de bônus (63,8%), seguidos por fraudes em pagamentos (31,4%) e roubos de contas (23,8%). Toda essa diversidade prova que os criminosos não se limitam a uma única técnica, desenvolvendo diversas estratégias para atacar múltiplos pontos vulneráveis ao mesmo tempo.
Crescimento de fraudes tem relação com regulamentação
A correlação entre mudanças regulatórias e picos de atividade fraudulenta não é acidental. Quando governos implementam novas regras de compliance, os criminosos identificam e exploram as lacunas temporárias criadas durante os períodos de adequação. No Brasil, a transição de mercado cinza para totalmente regulamentado em janeiro de 2025 criou exatamente esse tipo de oportunidade.
As novas regulamentações brasileiras — incluindo obrigatoriedade de biometria no onboarding, certificações ISO 27001 para fornecedores e multas que podem alcançar R$ 2 bilhões — contribuíram para o surgimento de um ambiente complexo onde empresas precisam equilibrar conformidade rigorosa com experiência do usuário fluida. Os bandidos exploram exatamente essa tensão, concentrando ataques nos momentos de maior vulnerabilidade: durante depósitos (41,9% dos casos) e no processo de registro inicial (23,8%).
A recomendação da Sumsub é que operadores implementem sistemas integrados que combinem verificação de identidade, monitoramento comportamental, inteligência de dispositivos e análise de transações. “A verificação tradicional isolada falha diante de criminosos sofisticados”, destaca Galloway. “É necessário um ecossistema de segurança que se comunique continuamente e se adapte automaticamente às novas ameaças”.
Para enfrentar essas ameaças, a indústria desenvolveu soluções como a Verificação Sem Documentos, que reduz em 53% o tempo de processamento; e sistemas de KYC Reutilizável, que cortam pela metade o tempo de verificação para usuários recorrentes. Essas tecnologias são prova de que é possível manter um esquema robusto de segurança sem comprometer a agilidade — o tempo médio de verificação caiu de 32 segundos em 2023 para 25 segundos em 2025.
Esse cenário desafiador, combinado com as questões de saúde pública e crime organizado apontadas por Haddad, pode acelerar discussões sobre endurecimento regulatório que vai além de multas e pode chegar à proibição total. A declaração do ministro de que “não tem arrecadação que justifique essa roubada” sugere que o Governo pode considerar os custos sociais e de segurança digital superiores aos benefícios fiscais, sobretudo diante de evidências de que o Brasil se tornou terreno fértil para inovação criminal em escala industrial.
Leia mais no Canaltech
- Bets não autorizadas enviam SMS de promoções com links que contêm malwares
- Bets ilegais se “escondem” em sites do governo para aparecer no Google
- Seis em cada dez apostadores usaram bets ilegais; para 78% é difícil distinguir
Com informações: ICL Notícias
Leia a matéria no Canaltech.